Algemas
Meu querido Ricardo!
Que a bondade infinita de Deus nos abençoe.
Correm os dias para o corpo e a experiência na Terra, à medida que o tempo
avança sobre a carne, é alguma cousa semelhante ao nevoeiro que se adelgaça...
A noite como que vai tocando a seu termo e o nosso coração se banha, feliz, aos
primeiros raios da nova aurora. Um sol diferente nos ilumina – o astro de um
entendimento mais alto e mais nobre, a cuja claridade bendita, cada pessoa e
cada cousa do mundo aparecem no lugar que lhes é próprio.
Uma profunda compaixão torna a nossa alma, diante de tudo o que signifique
incompreensão e ignorância e aprendemos, meu querido companheiro, a seguir
viagem, quase a sós, pelo monte acima dos sofrimentos santificadores.
Semelhante subida não é de todos. Muitos se deixam desanimados, no fundo vale do
desalento, da tristeza, da desolação. Muitos se apegam a velhos enganos do campo
físico e algemam-se a pedaços de ouro e pó, quais se fossem tesouros de luz para
acordarem, mais tarde, em plena sombra...
A ascensão pelo trilho escabroso é daqueles que sabem despregar a si mesmos,
violentando o próprio coração para adquirirem o ensinamento vivo da renúncia
salvadora. Somente a boa vontade com aplicação às lições edificantes do Mestre
consegue impulsionar-nos para o alto, porque, enquanto nos confiamos ao cárcere
do nosso orgulho e da vaidade, fazendo valer apenas os desejos sobre os
interesses e necessidades do próximo, enquanto nos perdemos na teia escura de
nossos caprichos, as dívidas pesadas nos algemam à lama e à treva de nossas
antigas imperfeições.
Abençoada seja, desse modo, a fé sublime que nos levanta os corações para uma
nova interpretação da vida e do mundo.
Possuir para dar.
Sacrificarmo-nos com pouco, a fim de que os companheiros de jornada possuam o
maia de nossas possibilidades.
Sermos pequeninos para que o próximo seja maior.
Voltar contra nós o buril do aperfeiçoamento, para que o mármore do coração
deixe plasmada em nós mesmos a escultura divina da humildade.
E nesse serviço abençoado, chorar para dentro do peito as oportunidades perdas
com a esperança de nos esforçarmos mais proveitosamente amanhã, em favor da
elevação espiritual, suportando os espinhos e as pedras da marcha, a fim de que,
mais cedo, possamos encontrar nos píncaros do conhecimento e da bondade os
primeiros raios da divina luz.
Agradeço a você, meu querido Ricardo, quanto vem fazendo por nosso progresso.
Creia que o seu trabalho me pertence, que o suor de sua ama é igualmente meu.
Somos lavradores do campo humano que recolhem, hoje, as espigas amadurecidas de
nossa sementeira de ontem, a fim de espalhar-lhes os grãos de amor e luz, com
todos os nossos irmãos menos felizes do grande caminho. Cada vez que os seus
braços se estendem para ajudar, que o seu pensamento se alonga para orar ou
meditar, sinto-me crescer em espírito para a vida superior.
Estamos entrelaçados com inúmeros amigos e inimigos do passado e, somente aqui,
você poderá calcular a extensão de minhas palavras. É preciso perdoar muito e
esquecer ainda mais, a fim de que o espírito consiga adiantar-se na senda sem
maiores obstáculos.
Cada vez que o coração sangra de dor na Terra, é a impureza que expulsamos do
íntimo de nós mesmos, convertendo-nos o espírito em uma consciência mais sutil,
mais renovada e mais bela, pronta a desferir vôo em demanda das esferas imortais
da celeste união. Quem nos atormenta, nos auxilia. Quem nos fere, nos
aperfeiçoa. Quem nos bate ou humilha é nosso benfeitor, desde que saibamos
recordar o Senhor e imitar-Lhe os exemplos no sacrifício e na cruz.
Não tema, pois, os percalços do roteiro. Quem não luta, costuma enganar-se. Quem
para, dorme. E quem se entrega a sono da alma, tarde contempla o sublime
despertar.
Avancemos, assim, com as dificuldades e dores, embora estejamos na situação de
retirantes solitários, que não podem desfrutar, por agora, a companhia dos entes
mais caros. Não duvidemos, porém, da divina bondade. Tudo está em seu lugar.
A flor precisa de tempo para converter-se em fruto. A semente reclama ocasião
adequada para germinar, medrar, desenvolver-se e florir. Estamos subordinados em
todos os serviços e em todas as atividades do mundo, à ordem evolutiva. Tudo
deve progredir e produzir a seu tempo. Consola-me, acima de tudo, a convicção de
que os filhinhos amados são jóias do Tesouro de Deus. Não está em nossas mãos o
poder de usa-las como nos aprouver, mas podemos reter a felicidade de sabe-los
fortes e contentes no desempenho dos desígnios do Senhor, que é o supremo
Orientador de nossos destinos.
Baste-nos, por agora, a Maria. Amorosa amiga e devotada irmã, sinto-me
sinceramente feliz reconhecendo-lhe a grandeza de coração no serviço de nossa
preparação, dia a dia, para o reencontro na luz espiritual. E amparando-nos, uns
nos outros, busquemos a proteção do alto em primeiro lugar com a execução de
todos os deveres.
Extremamente satisfeita com o seu esforço na vinha da caridade e da iluminação
e, esperando possamos nós dois avançar para a frente, invariavelmente juntos,
sob a custódia de Jesus, cujo exemplo é o nosso farol, abraça-o com todo o
carinho e beija-lhe o abnegado coração a companheira da eternidade.
Irmã Candoca