Espírito Farisaico
No tempo do Cristo, já era antiga a hipocrisia farisaica.
À força de se declararem homens de fé e ambicionando a hegemonia nos círculos
religiosos e sociais, os fariseus exibiam insuportável orgulho e repugnante
vaidade.
Sentiam-se únicos, diante da Divindade.
Pervertidos pelo intelectualismo de superfície, colocavam acima de tudo o
rigorismo aparente. Eram os inspiradores de todas as medidas da convenção
política em Jerusalém. Sabiam manejar, com maestria, a arma de dois gumes,
mostrando a lâmina da calúnia, no trato com os adversários do mesmo sangue, e a
da bajulação, diante do romano dominador. Imiscuíam-se nos negócios públicos e
impunham movimentos de opinião. Elevavam seus ídolos ao trono da autoridade e do
poder, incensando-os com o elogio fácil do desvario verbalístico e precipitavam,
astuciosos, no abismo da antipatia pública, todos aqueles que não soletrassem a
sua cartilha de fingimento. Exigiam os primeiros lugares nas sinagogas e
reclamavam destaque nas assembléias mais simples. Seus mantos luxuosos
requisitavam a reverência do povo e, quando penetravam o Templo, o fausto de sua
presença eclipsava o próprio santuário.
Dirigiam-se a Jeová, o Altíssimo, com palavras desrespeitosas e ingratas. Como
se os ouvidos do próximo fossem incapazes de registrar-lhes toda a loquacidade
sonora e vazia, pronunciavam longas e fastidiosas orações, ante o altar da fé,
relacionando as supostas virtudes de que se julgavam portadores; faziam o
inventário verbal de suas boas ações presumíveis e, longe de pedirem o favor da
Divina Misericórdia, exigiam-lhe as bênçãos que lhe eram devidas, segundo o
palavrório de seus lábios incansáveis. Ostentando atributos mentirosos, estavam
sempre dispostos às polêmicas mordazes, perante as quais a caridade e o
esclarecimento passavam de longe, repelindo aquelas bocas de falsos advogados da
fé. Ninguém devia tomar-lhes a dianteira nos mais humildes assuntos. Ante a
aproximação dos adventícios, erguiam-se irritados, espalhando protestos e
irradiando cóleras sagradas. Inculcavam-se supremas autoridades intelectuais do
mundo religioso, e administradores e juízes eram obrigados, antes de agir em
qualquer setor, à audiência prévia dos supostos mandatários da inspiração
divina.
O tempo golpeou-lhes as tradições. O alvião do progresso modificou a paisagem e
as transformações políticas constantes renovaram a vida intelectual do povo
escolhido.
Tempestades de dor e morte desabaram sobre Jerusalém, convertendo-a num campo de
destroços. Depois de Jesus, vieram as hordas de Tito, trazendo ruína e
destruição. Lutas internas minaram-lhe os institutos religiosos. Em 637 foi
ocupada pelos árabes e retomada pelos cruzados em 1099, sentindo os efeitos
terríveis das invasões. O Templo, edificado na época de Salomão, por artistas
fenícios, com admirável suntuosidade arquitetônica, cheio de ouro e marfim,
relíquias e madeiras preciosas, foi destruído por conquistadores fanáticos,
sedentos de guerra e dominação.
Despojada de suas riquezas, Jerusalém passou a lamentar-se nos muros de sua
desolação, clamando a saudade dos seus filhos, dispersos no Oriente e no
Ocidente, como peregrinos sem pátria, destinados a chorar sempre a distância do
berço natal, mas o espírito farisaico fixou-se no mundo inteiro. Persistindo na
antiga dominação intelectual, disputa prioridade em todos os serviços de
orientação religiosa, veste os trajes de todas as regiões e apresenta
passaportes de todos os países.
Inda agora, que o Espiritismo cristão espalha as bênçãos do Consolador
Prometido, restaurando a fé nos corações atormentados e sofredores, os novos
fariseus congregam-se em arrojados tribunais da Religião e da Ciência, emitindo
sentenças condenatórias. Estão completamente redivivos, noutra roupagem carnal e
envergando outros títulos exteriores para confundir e perturbar.
A revelação é exclusividade deles. Não admitem a intromissão em seus trabalhos
teológicos, inacessíveis. São prediletos da Divindade, senhores absolutos da
crença, ministros únicos da graça celeste. E contra a onda renovadora da vida
humana, que procede do Alto, através daqueles que regressam do túmulo,
comentando as realidades eternas até então obscuras, vociferam maldições, lançam
insultos, espalham dúvidas brilhantes e escuros sarcasmo.
Todavia, os servidores sinceros da Nova Revelação conhecem-nos, de longo tempo.
E, por isso, caminham, valorosos e desassombrados, indiferentes aos calhaus da
incompreensão deliberada e surdos ao velho realejo da ironia eles sabem que os
avoengos de seus perseguidores de agora, cercaram o Cristo, pedindo-lhe
benefícios e sinais que lhes dessem ensejo a calúnias cruéis, e que, não
contentes na posição de detratores sistemáticos, se constituíram em autores do
processo injusto contra o Mensageiro Divino. E sabem tudo isso, porque o mundo
está informado, há mais de dezenove séculos, de que foi o espírito farisaico,
vaidoso e polifronte, quem conduziu o Sublime Benfeitor ao madeiro infamante e
que, não lhe respeitando nem mesmo a hora angustiada e terrível da morte,
cuspiu-lhe no rosto sangrento, acrescentando : “Se tu és o Rei dos Judeus,
salva-te a ti mesmo e desce da cruz.”
Irmão X