Os Descobridores do Homem
Finda a leitura de alguns trechos da história de Job, a palestra na
residência de Simão versou acerca da fidelidade da alma ao Pai Todo-Poderoso.
Diante da vibração de alegria em todos os semblantes, Jesus contou,
bem-humorado:
— Apareceu na velha cidade de Nínive um homem tão profundamente consagrado a
Deus que todos os seus contemporâneos, por isso, lhe rendiam especial louvor.
Tão rasgados eram os elogios à sua conduta que as informações subiram ao Trono
do Eterno.
E, porque vários Arcanjos pedissem ao Todo-Poderoso a transferência dele para o
Céu, determinou a Divina Sabedoria fosse procurado, na selva da carne, a fim de
verificar-se, com exatidão, se estava efetivamente preparado para a sublime
investidura.
Para isso, os Anjos Educadores, a serviço do Altíssimo, enviaram à Terra quatro
rudes descobridores de homens santificados — e a Necessidade, o Dinheiro, o
Poder e a Cólera desceram, cada qual a seu tempo, para efetuarem as provas
indispensáveis.
A necessidade que, em casos desses, sempre surge em primeiro lugar, aproximou-se
do grande crente e se fez sentir, de vários modos, dando-lhe privações,
obstáculos, doenças e abandono de entes amados; entretanto, o devoto, robusto na
confiança, compreendeu na mensageira uma operária celeste e venceu-a,
revelando-se cada vez mais firme nas virtudes de que se tornara modelo.
Chegou, então, a vez do Dinheiro.
Acercou-se do homem e conferiu-lhe mesa lauta, recursos imensos e considerações
sociais de toda sorte; mas o previdente aprendiz lembrou-se da caridade e,
afastando-se das insinuações dos prazeres fáceis, distribuiu moedas e posses em
multiplicadas obras do bem, conquistando o equilíbrio financeiro e a veneração
geral.
Vitorioso na segunda prova, veio o Poder, que o investiu de larga e brilhante
autoridade.
O devoto, contudo, recordou que a vida, com todas as honrarias e dons, é simples
empréstimo da Providência Celestial e usou o Poder com brandura, educando
quantos o rodeavam, por intermédio da instrução e do trabalho bem orientados,
recebendo, em troca, a obediência e a admiração do povo entre o qual nascera.
Triunfante e feliz, o crente foi visitado, enfim, pela Cólera.
De maneira a sondar-lhe a posição espiritual, a instrutora invisível valeu-se
dum servo fraco e ignorante e tocou-lhe o amor próprio, falando, com manifesta
desconsideração, em assunto privado que, embora expressão da verdade, constituía
certo desrespeito a qualquer pessoa de sua estatura social e indiscutível
dignidade.
O devoto não resistiu.
Intensa onda sangüínea lhe surgiu no rosto congesto e ele se desfez em palavras
contundentes, ferindo familiares e servidores e prejudicando as próprias obras.
Somente depois de muitos dias, conseguiu restaurar a tranqüilidade, quando,
porém, a Cólera já lhe havia desnudado o íntimo, revelando-lhe o imperativo de
maior aperfeiçoamento e notificando ao Senhor que aquele filho, matriculado na
escola de iluminação, ainda requeria muito tempo, na experiência purificadora,
para situar-se nas vibrações gloriosas da vida superior.
Curiosidade geral transparecia do semblante de todos os presentes, que não
ousaram trazer à baila qualquer nova ponderação.
Estampando no rosto sereno sorriso, o Cristo terminou:
— Quando o homem recebe todas as informações de que necessita para elevar-se ao
Céu, determina o Pai Amoroso seja ele procurado pelas potências educadoras.
A maioria dos crentes perdem a boa posição, que aparentemente desfrutavam, nos
exercícios da Necessidade que lhes examina a resistência moral; muitos voltam
estragados das sugestões do Dinheiro que lhes observa o desprendimento dos
objetivos inferiores e a capacidade de agir na sementeira do bem; alguns caiem,
desastradamente, pelas insinuações do Poder que lhes experimenta a competência
para educar e salvar os companheiros da jornada humana, e raríssimos são aqueles
15 que vencem a visita inesperada da Cólera, que vem ao círculo do homem
anotar-lhe a diminuição do amor próprio, sem a qual o espírito não reflete o
brilho e a grandeza do Criador, nos campos da vida eterna.
O Mestre calou-se, sorriu compassivamente, de novo, e, porque ninguém retomasse
a palavra, a reunião da noite foi encerrada.
Neio Lúcio