Um Amigo que Volta
Finalizando as nossas atividades socorristas às entidades sofredoras, na
noite de 5 de agosto de 1954, tivemos a visita do velho e conhecido amigo que,
um ano antes, passara em Espírito por nossa casa.
Alberto, que assim se chamava, foi médico distinto em Belo Horizonte, de quem
nos escusamos de fornecer maiores elementos de identificação, por motivos
óbvios.
Em sua primeira passagem por nosso templo, denotava a emoção e as preocupações
peculiares ao espírito recém-desencarnado, como que preso ainda ao esgotamento
que lhe impôs o trespasse, mas na presente mensagem revela-se plenamente
recuperado, dispondo da inteligência, da vivacidade e da agudeza de espírito que
lhe marcavam a personalidade brilhante.
Leiamos a sua palestra que ficou intitulada “Um amigo que volta”.
Enquanto nos escravizamos ao corpo de carne e sangue em que o homem mal se
define, não é fácil apreender as realidades do espírito, porque soterrados nos
títulos e nas convenções superficiais, deambulamos no mundo, enfarpelados com as
ilações provisórias da ciência ou encastelados em teorias que só a morte
consegue modificar.
Indiscutivelmente, bastaria um exame mais acurado das maravilhas da mente para
descortinarmos aí alguma coisa do sublime reino da alma, preparando com
segurança o futuro; entretanto, caminhamos na Terra, em câmara lenta,
cosendo-nos à vaidade pessoal, como a tartaruga se prende ao pesado estojo que
lhe é próprio.
Com a técnica científica, interferimos no cérebro, usando hormônios e
estupefacientes ou empregando ablações cirúrgicas; todavia, presumindo descobrir
nele o órgão secretor do pensamento, apenas tateamos a sombra carente de luz,
porque o cérebro surge, na essência, tão longe do Espírito que através dele se
manifesta, como o violino se distancia do artista que o maneja, na execução da
melodia em que se lhe expressa o gênio musical.
Nossos enganos, porém, diante da vida eterna, guardam a frágil consistência da
neblina perante o fulgor do sol.
Rege-se a Natureza por leis inelutáveis e o túmulo nos aguarda, impassível,
restituindo-nos ao entendimento as verdades mais simples do coração.
E daqui, dos vastos horizontes que se nos desdobram à vista, reconhecemos agora
o imperativo de libertação da consciência humana, vítima dos fósseis da ciência
e da religião a lhe empecerem a marcha.
A morte não nos regenera tão-somente a visão interior, purificando-nos o
discernimento, mas também nos constrange a contemplar a glória nascente do novo
dia, cujas realizações reclamam a mobilização de todos os nossos recursos de
serviço, no socorro e no esclarecimento das criaturas.
A universidade possui a lógica.
O santuário retém a intuição.
É imprescindível trabalhar com desassombro para que a escola e o templo se
reúnam ao nível de mais elevada compreensão, a benefício da humanidade.
Se hoje avançadas organizações compelem a inteligência à domesticação do átomo e
da energia cósmica, concitemos o coração à fé racional sobre os princípios
evolutivos, moldando os tempos novos nas concepções do progresso infinito e do
amor universal.
Nesse sentido, o Espiritismo, redizendo o ensinamento de Jesus, é a força de
restauração e equilíbrio que nos compete enobrecer e dilatar.
Sou daqueles que beberam em vossa fonte, reajustando o próprio coração.
E, agradecendo-vos o ingresso ao novo campo de conhecimento que comecei a
lavrar, digo-vos, confiante:
- Fazei o bem a tudo e a todos.
Tolerai e perdoai!...
Acendei a esperança!
Não extingais a luz.
Ajudai, hoje e sempre!...
A floresta dominadora não procede do trovão que brame ou da ventania que arrasa,
mas, sim, da semente humilde que aprendeu a esquecer-se, a calar, a ajudar, a
produzir e a esperar.
Alberto