O Peru Pregador
Um belo peru, após conviver largo tempo na intimidade duma família que
dispunha de vastos conhecimentos evangélicos, aprendeu a transmitir os
ensinamentos de Jesus, esperando-lhe também as divinas promessas. Tão versado
ficou nas letras sagradas que passou a propagá-las entre as outras aves.
De quando em quando, era visto a falar em sua estranha linguagem
“glá-glé-gli-gló-glu”. Não era, naturalmente, compreendido pelos homens. Mas os
outros perus, as galinhas, os gansos e os marrecos, bem como os patos,
entendiam-no perfeitamente.
Começava o comentário das lições do Evangelho e o terreiro enchia-se logo. Até
os pintainhos se aquietavam sob as asas maternas, a fim de ouvi-lo.
O peru, muito confiante, assegurava que Jesus Cristo era o Salvador do Mundo,
que viera alumiar o caminho de todos e que, por base de sua doutrina colocara o
amor das criaturas umas para com as outras, garantindo a fórmula de verdadeira
felicidade na Terra. Dizia que todos os seres, para viverem tranqüilos e
contentes, deveriam perdoar aos inimigos, desculpar os transviados e
socorrê-los.
As aves passaram a venerar o Evangelho; todavia, chegado o Natal do Mestre
Divino, eis que alguns homens vieram aos lagos, galinheiros, currais e, depois
de se referirem excessivamente ao amor que dedicavam a Jesus, laçaram frangos,
patinhos e perus, matando-os ali mesmo, ante o assombro geral.
Houve muitos gritos e lamentações, mas os perseguidores, alegando a festa do
Cristo, distribuíram pancadas e golpes à vontade.
Até mesmo a esposa do peru pregador foi também morta.
Quando o silêncio se fez no terreiro, ao cair da noite, havia em toda a parte
enorme tristeza e irremediável angústia de coração.
As aves aflitas rodearam o doutrinador e crivaram-no de perguntas dolorosas.
Como louvar um Senhor que aceitava tantas manifestações de sangue na festa de
natalício? Como explicar tanta maldade por parte dos homens que se declaravam
cristãos e operavam tanta matança? Não cantavam eles hinos de homenagem ao
Cristo? Não se afirmavam discípulos d´Ele? Precisavam, então, de tanta morte e
tanta lágrima para reverenciarem o Senhor?
O pastor alado, muito contrafeito, prometeu responder no dia seguinte. Achava-se
igualmente cansado e oprimido. Na manhã imediata, ante o Sol rutilante do Natal,
esclareceu aos companheiros que a ordem de matar não vinha de Jesus, que
preferira a morte ao madeiro a ter de justiçar, que deviam todos eles continuar,
por isso mesmo, amando o Senhor e servindo-o, acrescentando que lhes cabia
perdoar setenta vezes sete. Explicou por fim, que os homens degoladores estavam
anunciados no versículo quinze do capítulo sete, do Apóstolo Mateus, que
esclarece – “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos
como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores”. Em seguida, o peru
recitou o capítulo cinco do mesmo evangelista, comentando as bem-aventuranças
prometidas pelo Divino Amigo aos que choram e padecem no mundo.
Verificou-se, então, imenso reconforto na comunidade atormentada e aflita,
porque as aves se recordaram de que o próprio Senhor, para alcançar a
Ressurreição Gloriosa, aceitara a morte de sacrifício igual à deles.
Neio Lúcio