Missiva Fraterna
Meu amigo. Alega você dificuldades para prosseguir nas atividades do seu
trabalho. Médium interessado em servir à Doutrina Consoladora, você começou a
tarefa, tomado de amor pela causa que hoje nos irmana, à frente do combate
contra as sombras da morte.
O calor com que seu coração abraçou os compromissos assumidos encorajou
companheiros abnegados, deste mundo e do outro, à colaboração no roteiro que
orientadores de Mais Alto nos traçaram ao espírito.
Os dias correram sobre os dias.
Desdobraram-se os anos.
Tolerou você a curiosidade de investigadores agressivos e a aflição dos
necessitados diferentes que lhe bateram à porta.
Entre as exigências da vida material e as requisições da espiritualidade,
compreendeu que o trabalho, por mais rude, é sua bênção, e aceitou-o, feliz.
Quando você pode atender aos que lhe procuram as faculdades, é interpretado por
santo; e quando não lhe é possível satisfazer as reclamações particulares, é
designado por demônio orgulhoso. No íntimo, porém, você sempre reconheceu que
não é anjo, nem diabo. Sabe que é personalidade comum, com obrigações de
enfrentar o padeiro e o farmacêutico, no fim do mês, de cédulas na mão, a fim de
resgatar as próprias contas. Compelido a medicar os pulmões e os olhos, o fígado
e o rins, frequentemente você está informado de que não é nenhum privilegiado da
Graça de Divina. Se você pular do terceiro andar de um prédio, arrebentará o
crânio, na certa, e, se ingerir demasiada porção de molho apimentado ao almoço,
não ignora que a cistite o visitará, sem perda de tempo.
Você sabe disso, mas quantos companheiros lhe traduziam o esforço por santidade?
Muitos vivem consertando os óculos, duas vezes por semana, mas admitem que você,
materializado na Crosta da Terra, em condições idênticas às deles, de
conformidade com as mesmas leis, jamais experimentará modificações na máquina
orgânica, não obstante os anos de serviço intensivo das possibilidades
mediúnicas, colocadas na prática do bem.
Naturalmente, embrenham-se em tais concepções, por entusiasmo da fé vibrante que
lhes renova o peito, mas você não é nenhum general prussiano que pretenda
ocultar a enxaqueca para manter o estado de guerra na juventude.
Assumindo o serviço proporções assustadoras e ouvindo repetidas referências dos
companheiros, relativamente aos deveres que lhe competem, você treme, com razão,
diante das perspectivas que o trabalho desdobra.
Como enfrentar o público necessitado e exigente se suas energias reclamam
refazimento? como atender a todos, satisfazendo as múltiplas requisições da vida
particular? como pairar no plano absolutamente idealístico, se você precisa
escovar os dentes, aparar as unhas e comprar comprimidos para a dor de barriga
dos sobrinhos?
Sussurram-lhe aos ouvidos que você guarda responsabilidades mais vastas, que
você é obrigado a revelar-se em esfera superior à de seus irmãos do caminho, que
você... que mais? Há quem o procure, acreditando buscar um plenipotenciário
celeste, fazendo questão de ignorar a provações benfeitoras que lhe seguem a
existência tão comum como a de qualquer alma encarnada, que chora, suarenta, na
Terra...
Não acredite, contudo, nas afirmativas ou nas suposições dos companheiros
desprevenidos de maior entendimento. De outro modo, seria alimentar a vaidade
injustificável no coração.
Você é um trabalhador tão falível, quanto os demais, e, quando admitir o
contrário, estará contra a Lei que nos rege os destinos.
Quem preferir a idolatria barata, cultive-a pela estrada do mundo, até que a
experiência lhe esfacele os ídolos de barro.
Não se julgue detentor de responsabilidades especiais.
O dever é patrimônio comum a nós todos, porque a bênção divina não felicitou
exclusivamente a sua cabeça. A obrigação de compreender a Lei do Supremo Senhor
e servi-la constitui imperativo tão amplo como é infinita a dádiva da luz solar
que envolve justos e injustos, gratos e ingratos.
Pense nisso e descanse o crânio atormentado. Não aceite qualquer título de
orientador dos outros, quando é obrigado a fazer prodígios para não
desorientar-se.
Trabalhe, sirva ao próximo, colabore na extensão do bem, quanto estiver ao
alcance de seus recursos limitados, mas reerga suas forças orgãnicas, melhore as
suas condições físicas e não se acredite embaixador extraordinário do Cristo.
Quando o Mestre enviou os discípulos aos trabalhos terrestres, não
individualizou as recomendações.
“Eis que vos mando”. “Ide”. Semelhantes determinações foram pronunciadas por
Ele>
A construção do Reino de Deus, no aprimoramento espiritual, é obra de cada um,
mas o trabalho da coletividade pertence a todos.
Não monopolize, pois, os serviços de doutrinação e fuja dos pedestais. Lembre-se
de que se você furar um pântano, por despreocupação ou necessidade, chegará ao
outro lado, tão imundo, como qualquer empregado municipal.
Você é humano e não deve esquecer sua condição. Trate de garantir, quanto lhe
for possível, os elementos vitais do corpo de carne, sua vestimenta provisória.
Atenda ao equilíbrio, com serenidade e perseverança.
Não lhe faltarão recursos e providências às dificuldades naturais.
Quanto a mim, servo inútil embora, repetirei aos seus ouvidos aquele trecho de
certa música popular brasileira: - “eu vou ver o que posso fazer por você”.
Irmão X