Contrastes

Corredores e salas suntuosos, abarrotados de arte, representando a composição e a técnica representativos da beleza dos tempos, somando quilômetros de encantamento e poder, contrastam, não obstante, com a paisagem sórdida dos guetos e favelas, onde milhões de criaturas se exaurem, pela fome e pela enfermidade, sob o impositivo da ausência de parcas moedas que lhes diminuiriam a miséria e a dor.

Museus refinados, exibindo jóias e ourivesaria caprichada, em inumeráveis espaços, retratam a força e a glória das gerações passadas, embora a orfandade e o abandono juvenil, que, padecendo de penúria, são armados pelo ódio e pelo descaso que sofrem, para a delinqüência e a loucura.

Cofres fortes, atulhados de moedas e barras de ouro, ocultando gemas de valor incalculável, que não vêem a luz do Sol, ao mesmo tempo em que a necessidade, corrompendo e malsinando milhões de vidas, que são destruídas pela abjeção em que se encontram, esquecidas pela abastança e pela fortuna.

Luxo em excesso, pregando renúncia.

Poder desmedido, ensinando submissão.

Egoísmo enfermiço, propondo fraternidade real.

Orgulho em demasia, convocando à humildade.

Este é um mundo de contrastes, de imperfeições!

Não bastassem as situações antípodas, chocantes, e, ao lado de tanta grandeza, aumenta a ferida purulenta, em chaga viva, dos vícios e licenças morais, amesquinhando e contaminando outras vias que apenas começam.

Ante o deslumbramento que produzem a arte a grandeza, que vês em toda parte, não feches os olhos à dor e à sordidez que se abraçam e passeiam em tua frente.

Depois de visitares o luxo e o refinamento em que vivem os triunfadores de breves momentos, não ignores a presença dos desditosos e miseráveis que enxameiam em todos os sítios.

Uns são as causas dos estados dos outros, isto é: os excessos de alguns produzem a escassez, e o acúmulo em poucas mãos responde pela ausência do necessário em verdadeiras multidões.

Aprende a lição que a vida te ministra nestes contrastes.

Ninguém escapa à morte do corpo. Aqueles detentores que pareciam eternos envelheceram, enfermaram e morreram como os seus vassalos escravos.

Os opulentos e os miseráveis morrerão, deixando tudo.

Nivelar-se-ão no túmulo, embora a diferença exterior de que se revistam as tumbas.

Deixarão tudo o que detêm e o que lhes faz falta...

Mas, voltarão à Terra. Talvez, conforme viveram, invertam-se as posições.

Antigos reis, chefes de Estados, ministros, prelados e religiosos, chefes de Igrejas, acumuladores dos tesouros que geraram miséria
de milhões, hoje mendigam à porta dos seus antigos palácios e templos, enxotados, de quando em quando, pelos novos detentores, iguais a eles outrora, enganados.

Donatários e poderosos voltaram, mas, sequer, podem olhar o que antes lhes parecia pertencer. Uns fazem-se ladrões e tentam recuperar, na
insânia em que ainda se debatem, o que supõem pertencer-lhes. Outros, tornam-se guardas de salas e corredores, vigiando as jóias frias, as
estátuas mortas que os não vêem, mas que eles prosseguem cuidando, avaros e infelizes.

É o mesmo mundo de contrastes.. .

Jesus, o ímpar amante da beleza, fez, porém, do homem, o mais grandioso altar e, da Natureza, o templo augusto, onde o amor é o tesouro mais poderoso e mais fácil de ser adquirido, para quem deseja viver, realmente, a Eternidade, sem contrastes, nem equívocos.


Joanna de Ângelis