Lembraremos
Às vezes, queixas-te da vida, ante os contratempos naturais do cotidiano.
Entretanto, se te lembrares da extensa fila dos companheiros algemados às grandes tribulações da retaguarda, decerto não inclinarias tanto à lamentação estéril e, sim, te engajarias na turma dos irmãos que se consagram à tarefa de aliviar os sofrimentos alheios.
Sai de ti mesmo e conseguiras vê-los com facilidade.
É o homem que perdeu ambas as pernas num acidente do trabalho e passa na rua com o favor de alguém que lhe dirige a cadeira de rodas;
É o jovem paralítico que sobreviveu à própria condição pelo devotamento da mulher que se lhe fez mãe, em nome de Deus;
É o cego que exemplifica serenidade e coragem, seguindo para o trabalho com o apoio da bengala branca que lhe evidencia a presença;
É a irmã em penúria, cercada de crianças andrajosas que vai ao encontro do pão da beneficência, a fim de regressar, logo após, à furna em que reside, sob antiga ponte abandonada;
É o hanseniano esquecido; é o amigo em desespero, prestes a cair nas malhas do suicídio; é o doente imobilizado e sem recursos, na periferia da cidade, à espera de alguém que lhe estenda um copo d’água; é o irmão portador de constrangimentos e inibições, incapaz de mais ampla comunicação com os semelhantes; é a mulher apunhalada de dor que tateia a lousa, tentando inutilmente ouvir algum sinal do filho, cuja voz foi abafada pelo frio da morte...
Pensa nos caminheiros do infortúnio que te partilham a marcha.
Se te lembrares deles, certamente silenciarás toda queixa, porquanto, à frente das vantagens que usufruis, saberás unicamente render graças a Deus.
Augusto Cezar