O Espiritismo no Brasil
Consolidadas as primeiras construções basilares de Ismael na Pátria do
Cruzeiro, o Espiritismo derramou seus frutos sazonados e doces no coração da coletividade brasileira.
Em seu seio, nas grandes sociedades e nos lugarejos obscuros, a doutrina
consoladora apresentou sempre as mais belas expressões de caridade e de
fraternidade.
Jesus, com as suas mãos meigas e misericordiosas, fez reviver no país abençoado dos seus ensinamentos as curas maravilhosas dos tempos apostólicos.
Abnegados médiuns curadores, desde os primórdios da organização da obra de Ismael nas terras do Brasil, espalharam, como instrumentos da verdade, as mais fartas colheitas de bênçãos do céu, iluminando todos os corações. Curando os enfermos, os novos discípulos do Senhor restabeleciam o espírito geral para a grande tarefa; vestindo os andrajosos, tocavam as almas de uma nova roupagem de esperança.
Enquanto na Europa a idéia espiritualista era somente objeto de observações e
pesquisas nos laboratórios, ou de grandes discussões estéreis no terreno da
filosofia, não obstante os primores morais da codificação kardeciana, o
Espiritismo penetrava o Brasil com todas as suas características de Cristianismo
redivivo, levantando as almas para uma nova alvorada de fé. Aí, todas as suas
instituições se alicerçavam no amor e na caridade. As próprias agremiações
científicas, que, de vez em quando, aparecem para cultivá-lo, na sua rotulagem
de meta psíquica, são absorvidas no programa cristão, sob a orientação invisível
e indireta dos emissários do Senhor. Todas as possibilidades e energias são por
Ismael aproveitadas para o bem comum e para a tarefa de todos os trabalhadores,
e é por isso que todos os grupos sinceros do Espiritismo, no país, têm as suas
águas fluidificadas, a terapêutica do magnetismo espiritual, os elementos da
homeopatia, a cura das obsessões, os auxílios gratuitos no serviço de
assistência aos necessitados, dentro do mais alto espírito evangélico, dando-se
de graça aquilo que se recebeu como esmola do céu. Não é raro vermos caboclos,
que engrolam a gramática nas suas confortadoras doutrinações, mas que conhecem o
segredo místico de consolar as almas, aliviando os aflitos e os infelizes, ou,
então, médiuns da mais obscura condição social, e nas mais humildes profissões,
a se constituírem instrumentos admiráveis nas mãos piedosas dos mensageiros do
Senhor.
A Europa recebeu a Nova Revelação sem conseguir aclimá-la no seu coração
atormentado pelas necessidades mais duras. As próprias sessões mediúnicas são
ali geralmente remuneradas, como se esses fenômenos se processassem tão-somente
pelas disposições estipuladas num contrato de representações, enquanto que, no
Brasil, todos os espiritistas sinceros repelem o comércio amoedado, nas suas
sagradas relações com o plano invisível, conservando as intenções mais puras no
hostiário da sua fé.
A obra de Ismael prossegue em sua marcha através de todos os centros de estudo e
de cultura do país. Todavia, temos de considerar que um trabalho dessa natureza,
pelo seu caráter grandioso e sublime, não poderia desenvolver-se sem os ataques
inconscientes das forças reacionárias do próprio mundo invisível, e, como a
Terra não é um paraíso e nem os homens são anjos, as entidades perturbadoras se
aproveitam dos elementos mais acessíveis da natureza humana, para fomentar a
discórdia, o demasiado individualismo, a vaidade e a ambição, desunindo as
fileiras que, acima de tudo, deveriam manter-se coesas para a grande tarefa da
educação dos espíritos, dentro do amor e da humildade. A essas forças, que
tentam a dissolução dos melhores esforços de Ismael e de suas valorosas falanges
do Infinito, deve-se o fenômeno das excessivas edificações particularistas do
Espiritismo no Brasil, particularismos que descentralizam o grande labor da
evangelização. Mas, examinando semelhante anomalia, somos forçados a reconhecer
que Ismael vence sempre. Construídas essas obras, que se levantam com
pronunciado sabor pessoal, o grande mensageiro do Divino Mestre as assinala
imediatamente com o selo divino da caridade, que, de fato, é o estandarte
maravilhoso a reunir todos os ambientes do Espiritismo no país, até que todas as
forças da doutrina, pela experiência própria e pela educação, possam constituir
uma frente única de espiritualidade, acima de todas as controvérsias.
É para essa grande obra da unificação que todos os emissários cooperam no plano
espiritual, objetivando a vitória de Ismael nos corações. E os discípulos
encarnados bem poderiam atenuar o vigor das dissensões esterilizadoras, para se
unirem na tarefa impessoal e comum, apressando a marcha redentora. Nas suas
fileiras respeitáveis, só a desunião é o grande inimigo, porque, com referência
ao Catolicismo, os padres romanos, com exceção dos padres cristãos, se conservam
onde sempre estiveram, isto é, no banquete dos poderes temporais, incensando os
príncipes do mundo e tentando inutilizar a verdadeira obra cristã. Os
espiritistas bem sabem que se eles constituem sérios empecilhos à marcha da luz,
todos os obstáculos serão, um dia, removidos para sempre, do caminho ascensional
do progresso. Além disso, temos de considerar que a Igreja Católica se desviou
da sua obra da salvação, por um determinismo histórico que a compeliu a
colaborar com a política do mundo, em cujas teias perigosas a sua instituição
ficou encarcerada e que, examinada a situação, não é possível desmontar-se a sua
máquina de um dia para outro. Sabemos, porém, que a sua fase de renovação não
está muito distante. Nas suas catedrais confortáveis e solitárias e nos seus
conventos sombrios, novos inspirados da Úmbria virão fundar os refúgios amenos
da piedade cristã.
Depreende-se, portanto, que a principal questão do espiritualismo é proclamar a
necessidade de renovação interior, educando-se o pensamento do homem no
Evangelho, para que o lar possa refletir os seus sublimados preceitos. Dentro
dessa ação pacífica de educação das criaturas, aliada à prática genuína do bem,
repousam as bases da obra de Ismael, cujo objetivo não é a reforma inopinada das
instituições, impondo abalos à natureza, que não dá saltos; é, sim, a
regeneração e o levantamento moral dos homens, a fim de que essas mesmas
instituições sejam espontaneamente renovadas para o progresso comum.
A tarefa é vagarosa, mas, de outra forma, seria a destruição e o esforço
insensato. A obra da revolução espiritual, no Evangelho de Jesus, não se
compadece com as agitações do século. Os que desejarem impor, no seu
compreensível entusiasmo de crentes, os preceitos do Mestre às instituições
estritamente humanas, talvez ainda não tenham ponderado que a obra cristã
espera, há dois milênios, a compreensão do mundo. Todos os que lutaram por ela
de armas na mão e quantos pretenderam utilizar-se dos processos da força para a
imposição dos seus ensinamentos, no transcurso dos séculos, tarde reconheceram a
sua ilusão, redundando seus esforços no mais franco desvirtuamento das lições do
Salvador, porque essas lições têm de começar no coração, para conseguirem
melhorar e regenerar o planeta.
É dentro dessa serenidade, sob a luz da humildade e do amor, que os espiritistas
do Brasil devem reunir-se, a caminho da vitória plena de Ismael em todos os
corações. Está claro que a doutrina não poderá imitar as disciplinas e os
compromissos rijos da instituição romana, porque, nas suas características
liberais, o pensamento livre, para o estudo e para o exame, deve realizar uma
das suas melhores conquistas e nem é possível dispensar, totalmente, a discussão
no labor de aclaramento geral. A liberdade não exclui a fraternidade e a
fraternidade sincera é o primeiro passo para a edificação comum.
Dentro, pois, do Brasil, a grande obra de Ismael tem a sua função relevante no
organismo social da Pátria do Cruzeiro, vivificando a seara da educação
espiritual. E não tenhamos dúvida. Superior às funções dos transitórios
organismos políticos, é essa obra abençoada, de educação genuinamente cristã, o
ascendente da nação do Evangelho e o elemento que preparará o seu povo para os tempos do porvir.
Humberto de Campos