Anotação Necessária
Declara-se você extremamente surpreendido com o tratamento carinhoso que os amigos desencarnados dispensam a determinados amigos do mundo.
A acrescenta: _ “Aqui vemos uns homem de maus propósitos a quem vocês classificam por “meus querido irmão”, ali, notamos a presença de um ladrão medalhado a quem chamam “meu caro amigo” e, acolá, na raro, encontramos um malfeitor confesso, a quem se dirigem, usando as doces palavras “meu filho...”
“Será isto razoável? _ pergunta você, com desapontamento – não será encorajar a má fé e o crime? Por que não convidar semelhantes pessoas ao reconhecimento da nódoas e sombras que lhe afeiam a vida?”
Se você estivesse aqui conosco, no mundo da realidade maior, observaria, decerto, como é difícil manobrar a verdade. Não que a desestimemos, mas, porque a verdade, para nós, traz consigo, com a evidência dos fatos, a responsabilidade de enobrecer o caminho.
Não basta verificar se o fruto está sobre.
É preciso aproveitar a boa semente.
No turbilhão da carne, estreito à visão de superfície, desvaira-se o homem no julgamento insensato.
Aqui, no entanto, renovados pelo elixir do tempo e da morte, acalmam-se os impulsos.
Aprendemos a examinar os outros no espelho da própria consciência e, quase sempre, acabamos tal apreciação levantando os acusados do banco dos réus para aí nos sentarmos, em lugar deles.
Habituamo-nos, dessa forma, a definir uma criatura não através do momento desagradável que lhes compromete a transitória existência humana, mas, sim pelo conjunto das qualidades e realizações, esperanças e sonhos que lhes assinalam a marcha.
Muitas vezes, “os homens de maus propósitos”, “os ladrões medalhados” e os “malfeitores confessos”, de seu enunciado, não são o que parecem.
Em muitas circunstâncias, são doentes e obsediados, requisitando larga dose de paciência e carinho para tornarem a parecer o que são.
Se você sabe agradecer o prato que o sustenta, não desconhece que o lavrador foi constrangido a retirar com muita solicitude os vermes que infestam a lavoura, de modo a não prejudicar a colheita do grão substancioso que lhe supre a mesa.
Na experiência comum, dilaceração não é verdade construtiva, tanto quanto violência não significa progresso exato.
Há que se extirpar o tumor, usando anestésicos para que o doente não venha a morrer da cura.
Não ignoramos, porém, que há pessoas para as quais os chamamentos afetuosos não quadram corretamente.
Procuram o altar da fé, à maneira do animal astucioso ou inconsciente que busca a fonte conspurcando-lhe as águas.
Contudo, ainda assim, não será compreensível que os desencarnados assaquem contra eles insultos e palavrões.
Manda a cortesia que ninguém enlameie a frase com a baba venenosa da injúria.
Todos devemos algo à Lei Divina e a tolerância deve presidir-nos as manifestações uns para com os outros se não desejamos colaborar na extensão do inferno.
Ao demais, segundo admitimos, o trato ameno serve para auxiliar-nos o reajuste próprio.
Recolhendo a consideração respeitosa dos outros, aprendemos a respeitar-nos.
Nesse sentido, há uma lenda indiana que nos vem à memória.
Certo malfeitor, após grande furto, passou a descansar sob árvore veneranda. Procurado por diversas criaturas de sentimento nobre, que se dispunham a aprisiona-lo, ei-lo que toma a atitude de um santo, fingindo-se em profunda meditação. Velhos e jovens que o encontram em semelhante postura, interpretam-no à conta de um mensageiro divino e oram junto dele, abençoando-lhe a presença e tranzendo-lhe leite e mel.
Envergonhado de si próprio, o infeliz reconheceu, em silêncio, que se era alvo de tanto apreço e de tamanho carinho simplesmente porque usara a máscara da virtude, com mais razão seria reverenciado e feliz, se procurasse a senda dos justos. E regenerou-se para sempre, consagrando-se à verdadeira comunhão com Deus.
Como vê, meu caro, um gesto amigo e uma frase bondosa conseguem muito, quando nos dispomos à melhoria da própria alma.
Não nos esqueçamos de que o próprio Jesus gastou liberalmente a caridade no contato conosco, os pecadores impenitentes da Terra.
E, ainda na última hora do martírio, nos tormentos da cruz, disse a um dos ladrões que o cercavam: - “Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.”
Até hoje, ninguém sabe ao certo que foi fazer Dimas nas Alturas, mas há quem creia que apesar das palavras doces do Cristo, que lhe asseguram preciosos recursos de emenda na reencarnação necessária, o antigo salteador terá subido, preliminarmente, ao Céu para receber uma surra.
Irmão X