A Escrava do Senhor
Quando João, o discípulo amado, veio Ter com Maria, anunciando-lhe a detenção do Mestre, o coração materno, consternado, recolheu-se ao santuário da prece e rogou ao Senhor Supremo poupasse o filho querido. Não era Jesus o Embaixador Divino? Não recebera a notificação dos anjos, quanto à sua condição celeste? Seu filho amado nascera para a salvação dos oprimidos... Ilustraria o nome de Israel, seria o rei diferente, cheio de amoroso poder. Curava leprosos, levantava paralíticos sem esperança. A ressurreição de Lázaro, já sepultado, não bastaria para elevá-lo ao cume da glorificação?
E Maria confiou ao Deus de Misericórdia suas preocupações e súplicas,
esperando-lhe a providência; entretanto, João voltou em horas breves, para
dizer-lhe que o Messias fora encarcerado.
A Mãe Santíssima regressou à oração em silêncio. Em pranto, implorou o favor do
Pai Celestial. Confiaria nEle.
Desejava enfrentar a situação, desassombradamente, procurando as autoridades de
Jerusalém. Mas, humilde e pobre, que conseguiria dos poderosos da Terra? E,
acaso, não contava com a proteção do Céu? Certamente, o Deus de Bondade
Infinita, que seu filho revelara ao mundo, salvá-lo-ia da prisão, restituí-lo-ia
à liberdade.
Maria manteve-se vigilante. Afastando-se da casa modesta a que se recolhera,
ganhou a rua e intentou penetrar o cárcere; todavia, não conseguiu comover o
coração dos guardas.
Noite alta, velava, súplice, entre a angústia e a confiança.
Mais tarde, João voltou, comunicando-lhe as novas dificuldades surgidas. O
Mestre fora acusado pelos sacerdotes. Estava sozinho. E Pilatos, o administrador
romano, hesitando entre os dispositivos da lei e as exigências do povo, enviara
o Mestre à consideração de Herodes.
Maria não pôde conter-se. Segui-lo-ia de perto.
Resoluta, abrigou-se num manto discreto e tornou à via Pública, multiplicando as
rogativas ao Céu, em sua maternal aflição. Naturalmente, Deus modificaria os
acontecimentos, tocando a alma de Antipas. Não duvidaria um instante. Que fizera
seu filho para receber afrontas? Não reverenciava a lei? Não espalhava sublimes
consolações? Amparada pela convertida de Magdala, alcançou as vizinhanças do
palácio do tretarca. Oh! Infinita amargura! Jesus fora vestido com uma túnica de
ironia e ostentava, nas mãos, uma cana suja à maneira de cetro e, como se isso
não bastasse, fora também coroado de libertar-lhe a fronte sangrenta e
arrebatá-lo da situação dolorosa, mas o filho, sereno e resignado, endereçou-lhe
o olhar mais significativo de toda a existência. Compreendeu que ele a induzia à
oração e, em silêncio, lhe pedia confiança no Pai. Conteve-se, mas o seguiu em
pranto, rogando a intervenção divina. Impossível que o Pai não se manifestasse.
Não era seu filho o escolhido para a salvação? Lembrou-lhe a infância, amparada
pelos anjos... Guardava a impressão de que a Estrela Brilhante, que lhe
anunciara o nascimento, ainda resplandecia no alto!...
A multidão estacou, de súbito. Interrompera-se a marcha para que o governador
romano se pronunciasse em definitivo.
Maria confiava. Quem sabe chegara o instante da ordem de Deus? O Supremo Senhor
poderia inspirar diretamente o juiz da causa.
Após ansiedades longas, Pôncio Pilatos, num esforço extremo para salvar o
acusado, convidou a turba farisaica a escolher este Jesus, o Divino Benfeitor, e
Barrabás, o bandido. O povo ia falar e o povo devia muitas benções ao seu filho
querido. Como equiparar o Mensageiro do Pai ao malfeitor cruel que todos
conheciam? A multidão, porém, manifestou-se, pedindo a liberdade para Barrabás e
a crucificação para Jesus. Oh! - pensou a mãe atormentada - onde está o Eterno
que não me ouve as orações? Onde permanecem os anjos que me falavam em luminosas
promessas?
Em copioso pranto, viu seu filho vergado ao peso da cruz. Ele caminhava com
dificuldade, corpo trêmulo pelas vergastadas recebidas e, obedecendo ao instinto
natural, Maria avançou para oferecer-lhe auxílio. Contiveram-na, todavia, os
soldados que rodeavam o Condenado Divino.
Angustiada, recordou-se repentinamente de Abraão. O generoso patriarca, noutro
tempo, movido pela voz de Deus, conduzira o filho amado ao sacrifício. Seguira
Isaac inocente, dilacerado de dor atendendo a recomendação de Jeová, mas, eis
que no instante derradeiro, o Senhor determinou o contrário, e o pai de Israel
regressara ao santuário doméstico em soberano triunfo. Certamente, o Deus
Compassivo escutava-lhe as súplicas e reservava-lhe júbilo igual. Jesus desceria
do Calvário, vitorioso, para o seu amor, continuando no apostolado da redenção;
no entanto, dolorosamente surpreendida, viu-o içado no madeiro, entre ladrões.
Oh! A terrível angústia daquela hora!! ... Por que não a ouvira o Poderoso Pai??
Que fizera para não lhe merecer a benção?
Desalentada, ferida, ouvia a voz do filho, recomendando-a aos cuidados de João,
o companheiro fiel. Registrou-lhe, humilhada, as palavras derradeiras. Mas,
quando a sublime cabeça pendeu inerte, Maria recordou a visita do anjo, antes do
Natal Divino. Em retrospecto maravilhoso, escutou-lhe a saudação celestial.
Misteriosa força assenhoreava-se-lhe do espírito.
Sim... Jesus era seu filho, todavia, antes de tudo, era o Mensageiro de Deus.
Ela possuía desejos humanos, mas o Supremo Senhor guardava eternos e insondáveis
desígnios. O carinho materno poderia sofrer, contudo, a Vontade Celeste
regozijava-se. Poderia haver lágrimas em seus olhos, mas brilhariam festas de
vitória no Reino de Deus. Suplicara aparentemente em vão, porquanto, certo, o
Todo-Poderoso atendera-lhe os rogos, não segundo os seus anseios de mãe e sim de
acordo com seu planos divinos.
Foi então que, Maria, compreendendo a perfeição, a misericórdia e justiça da
Vontade do Pai, ajoelhou-se aos pés da cruz e, contemplando o filho morto,
repetiu as inesquecíveis afirmações: - "Senhor, eis aqui a tua serva! Cumpra-se em mim, segundo a tua palavra!".
Irmão X