O Anjo Silencioso
No cimo da cruz, reconhecia o Senhor que, em verdade, no mundo, não havia
lugar para Ele...
Sem asilo para nascer, fora constrangido a valer-se do ninho dos animais e, sem pouso para morrer, içavam-no ao lenho dos malfeitores.
Agora, porém, que se isolara mentalmente na gritaria em torno, espraiava-se-lhe a visão...
Fitava, em espírito, os grandes palácios da Terra, ocupados pelos poderosos que
se vestiam de púrpura e ouro, cercados de mulheres escravas e servos infelizes,
e notou que eles dominavam os quatro cantos do globo, prestigiando os verdugos
do sangue humano e os falsos profetas que lhes entorpeciam as consciências...
Mas, entre os altos muros que os apartavam, viu também o Senhor os que viviam
desajustados quanto Ele mesmo...
Assinalou os mártires da justiça, encarcerados nas prisões; as vítimas da
calúnia, açoitadas em praça pública; os heróis da fraternidade, em postes de
martírio; os lidadores do bem, cedidos em pasto às feras; os amigos da educação
popular, sob o cutelo de carrascos inconscientes; os perseguidos, condenados a
ferros em regiões inóspitas; as mães desamparadas, cujo pranto caía como orvalho
de fel sobre a terra seca; os velhos sem esperança; os caravaneiros da nudez e
da fome; os doentes sem leito e as crianças sem lar...
Entre os homens igualmente não havia lugar para eles.
Como outrora, à frente de Lázaro morto, Jesus chorou...
Chorou e suplicou a Deus a vinda de alguém que o representasse ao pé dos
aflitos... Alguém que lenisse chagas sem recompensa, que enxugasse lagrimas sem
queixa e servisse sem perguntar...
E o Pai Misericordioso enviou-lhe toda uma coorte de anjos que o louvavam,
felizes, transformando o madeiro numa apoteose de luz, com exceção de um deles
que, ao invés de adorá-lo, procurou-lhe respeitoso, os lábios trementes, como
quem lhe buscava as derradeiras ordenações.
Não percebeu a multidão desvairada o que se passou entre o Cristo agonizante e o
mensageiro sublime; no entanto, de imediato, o nume celeste, sereno e
compassivo, desceu do monte para os vales humanos, nos quais, desde então, até
hoje, converte o ódio em amor, a expiação em ensinamento, a dor em alegria, o
desespero em consolo e o gemido em oração...
Esse anjo silencioso é o Anjo da Caridade.
Por isso, toda vez que lhe ouvis a inspiração divina, abraçando os sofredores ou
amparando os necessitados, ainda mesmo através da mais leve migalha de pão ou de
entendimento, é a Jesus que o fazeis.
Eurípedes Barsanulfo