Ecologia e Espiritismo
É urgente que o movimento espírita absorva e contextualize, à luz da
doutrina, os sucessivos relatórios científicos que denunciam a destruição sem precedentes dos recursos naturais não renováveis, no maior desastre ecológico de origem antrópica da história do planeta. Os atuais meios de produção e de consumo precipitaram a humanidade na direção de um impasse civilizatório, onde a maximização dos lucros tem justificado o uso insustentável dos mananciais de água doce, a desertificação do solo, o aquecimento global, a monumental produção de lixo, entre outros efeitos colaterais de um modelo de desenvolvimento “ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto”.
Na pergunta 705 do Livro dos Espíritos, no capítulo que versa sobre a Lei de
Conservação, Allan Kardec pergunta: “Porque nem sempre a terra produz bastante
para fornecer ao homem o necessário?”, ao que a espiritualidade responde: “É
que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas
vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da
sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário
soubesse o homem contentar-se” (...).
É evidente que em uma sociedade de consumo, nenhum de nós se contenta apenas com
o necessário. A publicidade se encarrega de despertar apetites vorazes de
consumo do não necessário – daquilo que é supérfluo, descartável, inessencial –
renovando a cada nova campanha a promessa de felicidade que advém da posse de
mais um objeto, seja um novo modelo de celular, um carro ou uma roupa. Para nós
espíritas, é fundamental que o alerta contra o consumismo seja entendido como
uma dupla proteção: ao meio ambiente – que não suporta as crescentes demandas de
matéria-prima e energia da sociedade de consumo, onde a natureza é vista como um
grande e inesgotável supermercado – e ao nosso espírito imortal, já que, segundo
a doutrina espírita, uma das características predominantes dos mundos inferiores
da Criação é justamente a atração pela matéria. Nesse sentido, não há distinção
entre consumismo e materialismo, e nossa invigilância poderá custar caro ao
projeto evolutivo que desejamos encetar. Essa questão é tão crucial para o
Espiritismo, que na pergunta 799 do Livro dos Espíritos, quando Kardec pergunta
“de que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?”, a resposta é
taxativa: “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade.(...)”
Uma das mais prestigiadas organizações não governamentais do mundo, o Worldwatch
Institute, com sede em Washington, divulga anualmente o relatório “Estado do
Mundo”, uma grande compilação de dados e estudos científicos que revelam os
estragos causados pelo atual modelo de desenvolvimento. Na última versão do
relatório, referente ao ano de 2004, afirma-se que “o consumismo desenfreado é a
maior ameaça à humanidade”. Os pesquisadores do Worldwatch denunciam que “altos
níveis de obesidade e dívidas pessoais, menos tempo livre e meio ambiente
danificado são sinais de que o consumo excessivo está diminuindo a qualidade de
vida de muitas pessoas”.
Aos espíritas que mantém uma atitude comodista diante do cenário descrito nessas
breves linhas, escorados talvez na premissa determinista de que tudo se
resolverá quando se completar a transição da Terra (de mundo de expiações e de
provas para mundo de regeneração) é bom lembrar do que disse Santo Agostinho no
capítulo III do Evangelho Segundo o Espiritismo. Ao descrever o mundo de
regeneração, Santo Agostinho diz que mesmo livre das paixões desordenadas, num
clima de calma e repouso, a humanidade ainda estará sujeita “às vicissitudes de
que não estão isentos senão os seres completamente desmaterializados; há ainda
provas a suportar (...) e que “nesses mundos, o homem ainda é falível, e o
Espírito do mal não perdeu , ali, completamente o seu império. Não avançar é
recuar , e se não está firme no caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de
expiação, onde o esperam novas e terríveis provas”. Ou seja, não há mágica no
processo evolutivo: nós já somos os construtores do mundo de regeneração, e, se
não corrigirmos o rumo na direção do desenvolvimento sustentável, prorrogaremos
situações de desconforto já amplamente diagnosticadas.
Não é possível, portanto, esperar a chegada do mundo de regeneração de braços
cruzados. Até porque, sem os devidos méritos evolutivos, boa parte de nós deverá
retornar à esse mundo pelas portas da reencarnação. Se ainda quisermos encontrar
aqui estoques razoáveis de água doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um
clima estável sem os flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e
carvão que agravam o efeito estufa – deveremos agir agora, sem perda de tempo.
Depois que a ONU decretou que 2003 seria o ano internacional da água doce, os
católicos não hesitaram em, pela primeira vez em 40 anos de Campanha da
fraternidade, eleger um tema ecológico: “Água: fonte de vida”. Mais de 10 mil
paróquias em todo o Brasil foram estimuladas a refletir sobre o desperdício, a
poluição e o aspecto sagrado desse recurso fundamental à vida. E nós espíritas?
O que fizemos, ou o que pretendemos fazer? O grande Mahatma Gandhi que afirmou
certa vez que toda bela mensagem do cristianismo poderia ser resumida no sermão
da montanha – nos serve de exemplo, quando diz “sejamos nós a mudança que nós
queremos ver no mundo”.
http://www.mundosustentavel.com.br/espirito.pdf
André Trigueiro