Agressores e Vítimas

Diante de crimes hediondos, suicídios, tragédias provocadas (como atentados e seqüestros dramáticos), a perplexidade domina os círculos da sociedade humana.

Seria o caso de perguntar: os autores intelectuais ou executantes de tais atrocidades nasceram com tal “missão”, ou sejam, vieram programados para serem instrumentos da maldade, da inconseqüência? O que o Espiritismo tem a dizer?

Não! Absolutamente não! Todos os que habitamos o planeta estamos destinados ao progresso, ao bem geral, à harmonia na convivência, convidados à solidariedade. Nunca poderemos dizer que tudo que acontece na vida de qualquer pessoa “já estava escrito antes”, pois esta afirmação contraria o bom senso, a lógica, e mesmo a autêntica e real possibilidade que sempre temos de alterar o rumo dos fatos.
Conforme explica O Livro dos Espíritos nas questões 851 a 867 (que recomendamos ao leitor para aprofundar o assunto), de “fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só instante da morte o é mesmo”, sintetizando as respostas às questões citadas.

Ocorre que no planejamento de uma nova existência, o então futuro reencarnante escolhe o gênero de provas que deseja passar (visando seu próprio aprendizado) e pelo fato dessa escolha se expõe a determinadas situações de risco que podem colocá-lo diante da perspectiva de praticar um crime, um delito, uma tragédia. Porém, e aí está o “x” da questão: qualquer pessoa sempre tem a liberdade de agir ou não. Sempre pode optar por fazer ou deixar de fazer.

Desta liberdade de ação, característica do livre-arbítrio, decorrem conseqüências pelas quais todos responderemos, criminal ou moralmente – no caso de danos causados a terceiros ou à sociedade em geral –, ou colheremos os frutos do mérito no caso das boas ações. E as conseqüências danosas no campo moral, nem sempre conhecidas ou reparadas pela justiça humana, repercutem nesta mesma ou em futuras existências nas limitações e dificuldades que uma única existência jamais conseguirá explicar.

Por isso é melhor agir no bem. Pensar bem antes de agir, para não ter do que se arrepender e reparar no futuro. Reparação muitas vezes, difícil e extremamente dolorosa.

E as vítimas? Como ficam essas pessoas? Por que sofrem atentados e se tornam vítimas de crimes passionais, etc? Podemos acrescentar outras questões: Por que Deus permite? Por que uns se livram inesperadamente de determinados perigos, enquanto outros deles são vítimas? Por que ocorrem com uns e com outros não? Qual o critério para todas essas situações?

Se analisarmos todas essas dúvidas sob o ponto de vista de uma única existência, não teremos saída. Ficaremos em infindáveis conjecturas que não responderão as questões.

Na verdade, já vivemos muitas existências. Somos espíritos em aprendizado e para isso retornamos à vida na Terra por múltiplas vezes, com a finalidade de evoluir, de aprender e principalmente visando harmonizarmo-nos com possíveis antagonistas do passado. E, se hoje, que já alcançamos muito progresso material e algum progresso moral (e ainda erramos com grande intensidade), podemos imaginar que no passado – recente (que pode ser inclusive na presente existência) ou distante –, quando éramos ainda mais ignorantes sobre as questões morais, devemos ter cometido erros ainda mais graves.

Ora, os equívocos e principalmente os erros intencionais causam conseqüências aos seus autores. Todos nós trazemos essas marcas danosas do passado, variando a intensidade e gravidade de pessoa para pessoa, e naturalmente aguardando reparação.

Muitas vezes, portanto, o que vemos – com nossa limitada visão – como tragédias, significa apenas a prova solicitada por determinado espírito para reparar-se consigo mesmo diante de atrocidades praticadas no passado. Quanto aos autores dessas atrocidades, como comentamos no artigo anterior, não vieram como instrumentos para tais ações. Optaram por praticá-la, já que tinham a possibilidade de não serem seus autores. Se o fazem, assumem as conseqüências. E não se julgue previamente que isso cria um círculo vicioso, porque há outras também sofridas tragédias (e são inúmeras) que ocorrem independente de qualquer vontade humana, como acidentes e situações totalmente inesperadas que ceifam vidas e resgatam consciências culpadas que desejavam libertar do grande peso moral que carregavam. E como não conhecemos a história completa, não podemos julgar...

Poderemos indagar agora se há um determinismo para tais vítimas?

Como vimos, sobre autores intelectuais ou executantes afirmamos que todos têm real possibilidade de alterar o rumo dos acontecimentos pela liberdade de opção: fazer ou deixar de fazer. Sobre as vítimas, ficou claro que, em determinadas circunstâncias, a pessoa poderá sujeitar-se a tais acontecimentos como caminho de resgate da própria consciência, frente a insucesso e equívocos do passado – recente ou remoto.
Podemos perguntar, todavia, se alguém que sofre uma violência brutal, com ou sem morte da vítima, estaria predestinado a sofrer tal ação. Isto não seria um outro determinismo? Ou, em outras palavras, a pessoa veio programada para sofrer tal ou tal brutalidade? Do ponto de vista dos autores, já vimos que ninguém vem predestinado a cometer o mal, pois tudo depende da sua opção e liberdade. Mas, e as vítimas?
A conhecida citação de que “o amor cobre a multidão de pecados” (1Pedro 4:8) cabe nesse contexto. Alguém poderá realmente ter cometido muitos erros, prejudicado muita gente, feito atrocidades contra terceiros. Isto em absoluto quer dizer que ela terá que sofrer os mesmos tormentos que fez outros sentirem. Vamos a um exemplo simples.

Uma mulher que cometeu diversos abortos. Necessariamente não terá que ser abortada em outra existência ou sofrer as agruras de um câncer intrauterino. Imaginemos que quando compreender o erro do aborto, esta mesma mulher colocar-se para cuidar de filhos alheios, seja numa creche, no atendimento a gestantes, na confecção de enxovais de filhos de mães carentes ou mesmo na direção de um orfanato. Essa dedicação, esse amor dedicado a terceiros poderá “apagar” a mancha consciencial de delitos passados.

Alguém que sujeitou outra pessoa à violência do estupro e arrependido, desejando reparar-se perante a própria consciência, poderá redimir-se por exemplo como médico que atende gratuitamente mulheres carentes vítimas do câncer e assim em diversas outras situações. Quer dizer, sempre teremos que reparar o mal praticado, mas os caminhos são variados e “o amor sempre conseguirá cobrir a multidão de pecados”. Como o caso daquele homem que solicitou perder o braço (em virtude ato vergonhoso no passado), mas como era uma pessoa muito caridosa perdeu apenas a ponta do dedo indicador. Não há, pois, um determinismo. Sempre poderemos consertar os erros, mas somente o amor liberta a consciência.


Orson Carrara