Um Precursor Esquecido: Daniel Dunglas Home

A observação desapaixonada do imenso painel da História revela a nítida interferência dos poderes superiores nos impulsos criadores e renovadores da humanidade. Em outras palavras mais simples: A História é um jogo inteligente de forças espirituais, com motivações e destinação espirituais. Se fosse preciso demonstrar a tese, bastaria tomar o exemplo do movimento espiritual desencadeado em 1848, em Hydesville, nos Estados Unidos.

E mais ainda: vemos que as genuínas correntes históricas trazem em si mesmas um ímpeto irresistível, que mesmo as imperfeições, fraquezas e deserções humanas não conseguem deter. As meninas da família Fox, certamente incumbidas pelos seus mentores espirituais do trabalho inicial, não resistiram à pressão insuportável das forças adversas e acabaram passando a si próprias atestados de fraude, para, de­pois, desmentirem o desmentido, isso levou Harry Price (in “Fifty Years of Psychical Research”) a oferecer ao leitor duas alternativas: Margaret Fox foi médium fraudulento ou uma grande mentirosa. As alternativas de Price - como, aliás, inúmeros dos seus comentários - são impiedosas e extremadas. É inegável que elas produziram fenômenos autênticos que, na época, despertaram paixões violentas naqueles que não suportam ver seus interesses e suas crenças sacudidos pela base.

Posteriormente, comercializaram suas faculdades — caminho mais fácil e direto para a fraude consciente, É possível que, para se verem livres da pressão social, tenham resolvido “confessar” que fraudavam, do que mais tarde se arrependeram. Não é justo pregar rótulos cruéis em seres humanos dos quais não conhecemos direito as motivações, o ambiente em que viveram, as crises que experimentaram, as coações que sofreram e as aflições por que passaram.

O que se pretende evidenciar aqui é que, a despeito da fragilidade humana, a marcha da espiritualização da humanidade segue em frente, e, como nos é permitido saber às vezes, aqueles que perseguem e ridicularizam médiuns costumam voltar mais tarde, em outras vidas, como médiuns...

Uma vez disparados os dispositivos da “revolução espiritual”, em 1848, vemos que uma verdadeira constelação de médiuns, das mais variadas faculdades, começou a despontar pelo mundo afora. No espaço de algumas décadas, de meados do século dezenove até principio do século vinte, viveram centenas de bons médiuns, muitos dos quais foram experimentados a sério pelos grandes cientistas da época. Mencionemos apenas alguns, dos mais famosos: as três Jovens Fox, Daniel Dunglas Home, Eusapia Palladino, Florence Cook, Eva C. (Carriére), Madame d’Espérance (Elizabeth Hope), Willi e Rudy Schneider (conterrâneos de Adolf Hitler), Franeck Kluski, Leonore Piper, Julian Ochorowicz, Henry Slade e outros.

Claro que, na posição de pioneiros de um movimento criado para renovar o pensamento humano, não foi fácil a tarefa desses precursores. Precisamos conceder a cada um deles uma larga margem de compreensão e tolerância pelas falhas humanas que porventura tenham demonstrado, mesmo porque não tinham ainda um corpo doutrinário consolidado em que se apoiassem para compreender suas próprias faculdades e orientar o exercício de suas tarefas. Além do mais, como portadores de recursos insólitos, mal compreendidos e pouco estudados, viam-se, de repente, sob o foco de atenções e solicitações, como figuras de um outro mundo que todos queriam ver, apalpar e examinar. Era difícil resistir às tentações, às ofertas de dinheiro e ao cortejo dos grandes e poderosos da época, tanto quanto aos ódios e à hostilidade de muitos.

Ninguém enfrentou maiores dificuldades nesse campo do que Daniel Dunglas Home, cuja existência é uma legenda que ainda hoje parece a muitos enigmática. Há uma verdadeira torrente de livros e referências sobre esse homem curioso, que tinha livre acesso às brilhantes cortes européias do século passado.

Home nasceu numa vila chamada Currie, perto de Edinburgh, na Escócia, a 20 de março do 1833. Sabe-se que sua mãe também possuía faculdades psíquicas. Seu pai era ligado à nobre família dos Homes, de Dunglas. O médium dizia que seu pai era filho ilegítimo do décimo “Earl” de Home. (1)

Jean Burton, na excelente biografia de Home -“Heyday of a Wizard”, publicada por George G. Harrap em 1948 -, comenta a dificuldade que enfrentaram os contemporâneos do médium para entendê-lo o classificá-lo. Não era um artista de palco nem um religioso. Gostava de ser recebido como igual e que jamais alguém se lembrasse de oferecer-lhe dinheiro pelas suas sessões. Aceitava, porém, jóias - do que muito gostou, até o fim da vida - roupas, casacos de pele, temporadas em elegantes estações de água e coisas desse teor; dinheiro, não. Como seria sua aparência?

A Princesa de Metternich o descreve assim: “Estatura razoável, magro, corpo bem construído; vestido de boas roupas, com gravata branca, parecia um “gentleman” da mais elevada posição. Seu rosto era atraente na sua expressão de suave melancolia. Era pálido, de olhos azuis de porcelana - olhos penetrantes, um tanto sonolentos - cabelos avermelhados, espessos, abundantes, mas não longos demais; mão gaforinha de pianista ou de violinista; em suma, era de aparência agradável, nada do extraordinário, a não ser, talvez, a palidez da pele, que parecia natural, no seu contraste com o cabelo vermelho e a barba.”

Por motivos que não ficaram bem claros, com um ano de idade o menino foi viver com uma tia casada, sem filhos, a Sra. Mary McNeal Cook, com quem passou uma infância normal, num lugar chamado Portobello. Quando Daniel tinha nove anos de idade, a família Cook mudou-se para os Estados Unidos, onde já se encontravam os pais de Home, desde 1840, com os seus sete filhos. Tia Mary foi morar em Greenville, no Estado de Connecticut. Como os pais viviam por perto, Daniel visitava-os de vez em quando.

Sua saúde era precária, tossia muito e tinha desmaios. Mais tarde, transmitiria sua tuberculose à primeira esposa, Sacha, sobrevivendo-lhe, no entanto, por muitos anos. Já então começavam suas experiências psíquicas; uma das primeiras foi a visão do Espírito de seu amigo Edwin, recentemente falecido, informam também os biógrafos que o menino foi ora­dor precoce, muito fluente e com entonações de pregador sacro, gostando de recitar versos sentimentais e religiosos e pequenos discursos sobre pecado, a prece, a morte.

A tranqüila vida na casa dos Cook, no entanto, começou a ser perturbada pelos fenômenos de efeito físico que assustavam toda gente, a começar pelo jovem Home. Eram batidas por toda parte e movimento de móveis e utensílios pela casa. Certa vez, uma cadeira perseguiu-o no seu próprio quarto. Daniel, apavorado, não sabia o que fazer, pois a peça ficara entre ele e a porta de saída. A um passo, a cadeira parou, ele saltou rápido por cima dela, apanhou o chapéu e saiu para a rua, para botar as idéias no lugar, tentando compreender o fenômeno. Para encurtar a história: tia Mary, de rígida formação protestante, deve ter achado que o sobrinho tinha parte com o demônio e que era melhor ele deixar a casa, o que fez imediatamente. O curioso que não tenha procurado a casa dos pais e sim a de uns amigos.. Foi assim que iniciou sua vida de peregrinação de casa em casa, ali mesmo por New England (2), prenúncio da futura peregrinação de palácio em palácio na Europa.

Suas maneiras eram gentis, “ora efusivo na ex­pressão de gratidão — diz Jean Surton —, rápido em tomar a cor local, eminentemente adaptável, sempre pronto para ajudar as crianças nos seus deveres, brincar com o gato ou admirar o desenho de uma nova mania. A natureza preparou-o, em suma, para ser o hóspede perfeito”.

No verão de 1851, o Dr. George Busch descobriu Home e quis fazer dele um pregador da New Church. (3) Busch, homem de grande cultura, era professor de Línguas Orientais na Universidade de Nova York. Home achou boa a idéia e aceitou o ofereci­mento, mas em 48 horas voltou ao professor para desfazer o trato, porque o Espírito de sua mãe o aconselhara nesse sentido. “Meu filho, dissera ela, você não deve aceitar essa bondosa oferta, porque sua missão é mais ampla do que pregar do púlpito.”

E assim foi feito.

Já então o jovem Home começava a incomodar o clero das religiões estabelecidas, muito embora durante a sua vida buscasse viver em bons termos com elas. Foi sucessivamente metodista, congregacionista e católico, terminando na Igreja Ortodoxa Grega. É que suas sessões mediúnicas passaram a despertar enorme interesse do público e da imprensa. Sacerdotes e ministros certamente não se sentiam bem diante daquele rapazinho que fascinava suas ovelhas com fenômenos insólitos. Home, com modéstia e sinceridade quase inocente, devolvia “as mais amargas vituperações”, dizendo mansamente: “Ao passo que as igrejas estão perdendo seus prosélitos”, seus fenômenos estavam “trazendo mais conversos às grandes verdades da imortalidade do que todas as seitas cristãs, tornando impossível as idéias materialistas e céticas, infelizmente, tão preponderantes nas classes educadas”.

Esse engano de achar que a Igreja deveria receber o Espiritismo de braços abertos foi comum entre os médiuns da primeira hora e até mesmo entre alguns espíritas. O raciocínio é perfeitamente lógico e razoável: se um dos principais pontos de sustentação do Cristianismo é a sobrevivência da alma, era de esperar-se que a igreja acolhesse com sofreguidão os métodos experimentais que demonstravam tal realidade. Mas, nem sempre os homens agem dentro da lógica, especialmente quando estão em jogo suas posições, seus interesses, suam crenças, seus temores e suas paixões.

Foi nessa época que Home se tornou amigo de uma das figuras lendárias do Espiritismo nascente, o Juiz John Edmonds, da Corte Suprema de Nova York.

Em 8 de agosto de 1852, em casa de Ward Cheney, de conhecida família de industriais da seda, Home levitou pela primeira vez.

Repetiria esse fenômeno inúmeras vezes, ao longo da sua carreira, sob as condições mais estranhas e sob os olhos atônitos de testemunhas do mais alto gabarito.

Gostava de que as sessões se realizassem com pouca gente — seu número ideal eram nove pessoas, inclusive ele, Home. Os Espíritos insistiam em que não houvesse cães no aposento das sessões, que ninguém fumasse e, por alguma razão obscura, não gostavam que Home se sentasse em almofadas de seda.

Os fenômenos eram muitos e variados e quase sempre em plena claridade. Os móveis levitavam, dançavam e batiam ritimadamente. Sinos e campainhas sobre os móveis eram sacudidos; mãos materializadas moviam objetos menores e flores, ou tocavam acordeão. Espíritos se materializavam de corpo inteiro, traziam “aportes”. De uma vez trouxeram uma plantinha que foi colocada num vaso de terra e “pegou”. Fenômeno curiosíssimo era o alongamento do corpo de Home, repetido sob condições de controle, no qual o médium crescia à vista de todos, sete ou oito polegadas, ultrapassando o tamanho da roupa. Mais para o fim de sua carreira extraordinária, desenvolveu a faculdade da incombustibilidade: apanhava brasas vivas com as mãos, sem queimar-se. De uma vez, mergulhou todo o rosto num braseiro, sem que sofresse absolutamente nada. Além disso, transmitia mensagens escritas ou faladas — hoje chamadas psicográficas e psicofônicas — de Espíritos relacionados com os presentes.

É fácil de imaginar-se a tremenda sensação que esses fenômenos provocavam entre aqueles que tinham a ventura de desfrutar a amizade do jovem Home, pois ele insistia em realizar suas proezas apenas para os amigos, que o hospedavam às vezes por longas semanas e até meses. Um certo Dr. Gerard Hull, que lhe ofereceu um dia dinheiro pelo seu trabalho, acabou reconhecendo que tinha cometido erro imperdoável: havia proposto a Home pagar-lhe as despesas e mais cinco dólares por dia. O médium ficou ofendidíssimo e Hull desculpou-se, hospedando Home em sua casa em base puramente social.

Nesse tempo alguém lembrou que o médium tinha ainda muito pouca instrução e que convinha prepará-lo melhor, pois pensavam em destiná-lo à medicina. Com esse propósito, o Dr. Hull matriculou o jovem num instituto local — isso em Newburgh, sobre o Hudson, para que Home estudasse alemão, francês e fizesse um curso pré-médico. No outono, ele seguiu para Nova York a fim de matricular-se na Faculdade de Medicina, mas uma série de acontecimentos impediu que isto se concretizasse e assim se perdeu um médium-médico. Home voltou para Nartford, esteve em Springfield e depois seguiu para Boston, onde ficou conhecendo a família Jarves, amigos do famoso casal Browning. Os caminhos de Home e dos Brownings haveriam de cruzar-se várias vezes, de futuro, sob estranhas condições e extrema tensão.

Nessa altura, com a saúde precária, Home resolveu partir para a Inglaterra, cujo clima, certamente, não se recomendava para ele. Não era fácil, ainda mais, separar-se de seus bons amigos que o acolhiam e o respeitavam e partir para a grande aventura do desconhecido, mas seus amigos espirituais lhe diziam que ele deveria ir “e seus conselhos não poderiam ser ignorados”. E assim, a 31 de março do 1855, parte ele, “pálido, magro, tuberculoso, com a voz e a roupa muito bem cuidadas, 22 anos de idade - para empreender a conquista da Inglaterra”. São pa­lavras de sua biógrafa.

Levou uma carta de apresentação para um certo Mr. William Cox, dono de um hotel do mesmo nome, onde se hospedou. Cox recebeu o jovem médium como a um filho. E com certeza não lhe cobrava a hospedagem.

Dentro em pouco, Home estava causando sensação com as suas extraordinárias faculdades mediúnicas, especialmente nas rodas mais sofisticadas da sociedade britânica. Continuava a insistir em que não compreendia suas faculdades, pois era simples instrumento de seus amigos espirituais, aos quais não podia comandar à sua vontade. Eles vinham quando queriam e faziam o que desejavam fazer.

Foi nessa época que Home e os Brownings se encontraram pela primeira vez. Robert e Elizabeth - depois da fuga sensacional que realizaram para casar-se -voltaram à Inglaterra pela primeira vez em visita, pois viviam em Florença desde o casamento. Elizabeth, poetisa tão famosa quanto seu marido, não cabia em si diante das notícias das fantásticas demonstrações de Home. Em 13 do julho do 1855 escreve para sua irmã Henrietta: “... Quanto a Hume (4) — vamos vê-lo, e eu te direi. É a pessoa mais interessante para mim na Inglaterra, tanto de Somersetshire como do número 50 da Wimpole Street. . .“ (5)

Elizabeth não se decepcionou com Daniel Dunglas Home; ao contrário, viu confirmadas as suas expectativas, não só pela fama do médium e autenticidade dos fenômenos, como também pela certeza que ele lhe trazia da sobrevivência do Espírito, que, para ela —que há algum tempo vinha lendo e experimentando nesse campo —, era pacífica. Quanto a Robert, não se pode dizer o mesmo. Ao contrário, o poeta manifestou, com relação ao médium, uma hostilidade agressiva, da qual não fazia o menor segredo. Mais tarde, escreveria um longo e elaborado poema no mais duro estilo satírico, Inspirado em Home. Chamou-lhe “Mister Sludge, the Medium”. Sludge, que aí aparece como nome próprio, significa lama, massa barrenta ou untuosa. Em carta a um amigo, certa vez, Robert usou uma expressão tão rude que não poderia ser aqui reproduzida.

O desacerto Home-Browning teria seqüência em outras oportunidades, de modo especial em Florença, pouco tempo depois, durante uma visita do médium à colônia inglesa rica, aristocrata e intelectual, que lá vivia por causa do bom clima e da vida barata. Quando Elizabeth soube que ele estava em Florença, escreveu com grande entusiasmo à sua infalível irmã Henrietta, dizendo que uma amiga — a Sra. William Burnet Kinney, esposa do ministro americano (embaixador) na Sardínia, “que costumava ser tão violenta com os Espíritos como Robert”, acabou se convencendo de que era totalmente impossível atribuir à fraude os fenômenos produzidos por Home. “Os fenômenos em Florença — prossegue Elizabeth — parecem ser de natureza espantosa. Uma princesa polonesa (Princesa Lubomirski) recebeu uma comunicação em sua própria língua.. .“ A sessão foi realizada na casa dos Trollope (Anthony Trollope, novelista inglês). Um vidro de água destilada, comprada na farmácia, deixou desprender, à vista de todos, um “vapor” e ficou perfumada. Disse­ram os Espíritos — é Elizabeth quem conta — que a água era chamada “ódica” e que a Sra. Kinney, que estava doente, deveria conservar o frasco em lugar escuro e tomar uma colher de chá por dia... “which she does. . . “...conclui a carta, ou seja, “o que ela está fazendo”.

Robert, indignado com o interesse de sua esposa pelo Espiritismo, que ele julgava uma grossa mistificação, transferia facilmente a sua revolta para Home, a quem não poupava, tanto em conversação social como em suas cartas e depois no poema famoso. Numa sessão realizada, entre outros, com Robert e Elizabeth, houve um incidente sério, que já tivemos oportunidade de ler aqui mesmo em “Reformador”. Elizabeth, extremamente chocada, agarrou ambas as mãos do médium e pediu que perdoasse Robert.

Nome sentiu-se profundamente desapontado com as situações que ali viveu.

Em carta a Henrietta (18-11-1850), Elizabeth conclui, vitoriosa: “Todo mundo adoraria deixar de crer em Home, mas ninguém o pode. Eles detestam-no e acreditam nos fatos.” Home, por sua vez, escreveu, desanimado: “Minhas experiências da vida e de suas falsidades já deixaram marca tão indelével na minha alma, por causa das minhas recentes experiências em Florença, que eu gostaria de afastar-me de tudo quanto pertence a este mundo.” Chegou mesmo a pensar em entrar para um convento. E a sério. Um certo Monsenhor Talbot encarregou-se de instruí-lo e dentro de três semanas Home foi crismado, no domingo da Páscoa, por um sacerdote jesuíta. O Conde Branicka e a Condessa do Orsíni foram seus padrinhos. Pio IX concedeu-lhe audiência pessoal. Fez-lhe muitas perguntas “penetrantes, mas bondosamente formuladas”. Acabou despedindo o novo converso com sua bênção. Disseram nessa ocasião que ele havia prometido ao Papa abandonar o exercício de suas faculdades, o que ele negou enfaticamente depois: “Eu não poderia fazer tal promessa, e nem ele a exigiu de mim...”

Nada mais se falou da sua entrada para o convento e de Roma ele se dirigiu, com a família Branicka — que o tinha tomado aos seus cuidados —, a Paris, para estudar francês, segundo ele mesmo declarou. Mui gentilmente, o Papa recomendou-lhe seu próprio confessor, o erudito jesuíta, Padre Xavier do Ravignan, pregador da capela das Tulherias.

Essa temporada de Home em Paris foi um extra­vagante período na vida do médium. Padre Ravignan desempenharia junto dele um papel significativo. Mais uma vez, o caminho dos Brownings se cruzava com o de Home. O casal de poetas estava em Paris e Elizabeth imediatamente escreveu a Henrietta para anunciar, algo aflita, a presença do médium, preocupada em que ele e Robert pudessem encontrar-se e reacender antigos rancores, pois, segundo suas próprias expressões, Home era “ainda um osso na garganta do leão”, mas Robert prometeu a ela comportar-se bem e limitar-se a ignorar o médium se, por acaso, cruzasse com ele na rua, o que já era muito. Por via das dúvidas, Elizabeth pede na carta que, na resposta ou em futuras cartas, Henrietta jamais mencionasse o nome de Home, certamente para que Robert não soubesse que elas ainda se ocupavam de tal indivíduo.

O momento era particularmente difícil para Home. Abandonado subitamente pelos Branickas — que se cansaram dele — ficou em Paris sem dinheiro e sem muitos amigos. Corria mesmo a notícia — segundo apurou Elizabeth Browning — de que o médium es­tava muito mal de saúde ou até mesmo nas últimas, por causa da fraqueza de seus pulmões.

Padre Ravignan revelou-se um bom e paciente companheiro, certamente pelo interesse em conquistar aquela alma para a sua fé e sua igreja, mas inegavelmente também porque era homem de excelente conteúdo humano e tolerante com o seu curioso catecúmeno. Além de tudo, Home fora também abandona­do pelos seus amigos espirituais que, descontentes com algumas práticas, retiraram-se, anunciando que somente retornariam às suas tarefas junto ao médium de­pois de passado um ano inteiro.

Toda a Paris especulava sobre o estranho fenômeno da suspensão da mediunidade e sobre quando e como poderia ela ser restaurada, como se Home fosse um famoso cantor de ópera, temporariamente afastado das luzes da ribalta.

A sociedade sofisticada do Segundo Império achava que se tratava simplesmente do que hoje se chamaria um “golpe de publicidade”. Era um “vedetismo” de Home, nada mais. No entanto, os Espíritos cumpriram a palavra; deixaram-no um ano sem atividades mediúnicas. Completou-se o prazo a 10 de fevereiro de 1857. No dia 11, pela manhã, Home foi procurado pelo Marquês do Belmont, enviado pessoal do imperador Napoleão III. Teriam os poderes do Monsieur Home retornado? Tinham. Precisamente ao soar meia-noite, no dia 10, um Espírito veio saudá-lo, levantar o seu moral o dizer que tudo estava bem. Logo em seguida, Padre Ravignan também apareceu ansioso para saber das novas. Não precisou nem falar: foi recebido com batidas espirituais por toda parte. O sacerdote explicou a Home que aquilo tinha de parar, senão ele não poderia conceder-lhe a absolvição. Home argumentou que os Espíritos estavam satisfeitos por encontrá-lo em tamanho estado de pureza, o que certamente facilitava os contatos. Mas o padre manteve-se firme, a despeito de Home ter acrescentado, como sempre o fazia, que as manifestações não estavam sob o controle da sua vontade.

Ravignan, que não queria abandonar a alma do seu pupilo ao “demônio”, insistiu em que uma vez que Home não podia evitar as “alucinações” pelo menos poderia desencorajá-las, pois quanto a ele, padre, somente via quando queria ver o somente ouvia quando queria ouvir. Depois desse conselho, preparou-se para partir, e, ao levantar a mão para dar a bênção a Home, o barulho dos “raps” recomeçou por toda parte. Era o fim. Padre Ravignan se retirou e, a despeito dos meus entreveros com a igreja, o médium manteve agradável lembrança do bondoso jesuíta.

Com a volta dos Espíritos, voltaram também os amigos e Home foi apanhado novamente pela roda-viva dos compromissos o dos convites para as reuniões elegantes. Já na sexta-feira, 13, “estreou” perante Napoleão III, de maneira dramática.

Quando se abriram para ele as portas do Salão Apolo, nas Tulherias, Home deu com uma multidão de nobres, tão grande que o ambiente sufocava. Chegou a recuar. A imperatriz Eugênia tinha convidado toda a sua “entourage”. Recuperado do impacto, Home explicou, com muitas desculpas e habilidade, que sessão mediúnica não era exibição teatral; que era melhor limitar o número de pessoas presentes a oito ou nove apenas e que mesmo assim ele não poderia garantir nada de positivo, dado que tudo dependia dos Espíritos. Deve ter sido uma senhora cena. A impera­triz, muito ofendida, e sem dizer palavra, retirou-se e Home também preparou-se para sair, extremamente confuso, quando o imperador, subitamente, ordenou que desocupassem o salão. Formou-se um pequeno círculo de privilegiados e a sessão desenrolou-se maravilhosamente, com fenômenos abundantes e inequívocos. Napoleão, “com seus olhos de peixe” — diz Jean Burton —, observava pensativo. Ele passava por ser um razoável mágico amador e certamente apreciava com olho critico a “performance” do seu “colega’. A questão é que os “raps” — ou seja, as batidas —respondiam a perguntas que ele fazia mentalmente. Tão entusiasmado ficou que achou por bem interromper os trabalhos, declarando que a Imperatriz tinha de ver aquilo. Mandou chamá-la e em pouco entrou a grande dama, com toda a imponência do seu porte e de sua posição. Não é preciso acrescentar que Home conquistou toda a corte francesa — exceto um ou outro, como, por exemplo, o Conde Waiewski, filho de Napoleão 1 e de Maria Waiewska, a bela polonesa.

O Conde tudo faria para desmoralizar Home e fazê-lo cair em desgraça na Corte, o que, aliás, não conseguiu, (6)

O médium passou a ter acesso praticamente livre ao palácio, chegando até mesmo a viver ali algum tempo, enquanto assim o desejou. Ganhou presentes riquíssimos e pouco depois foi aos Estados Unidos buscar sua irmã Christine, que, como protegida da imperatriz, matriculou-se no próprio colégio em que Eugênia havia estudado vinte anos antes.

Joan Burton chama a atenção para a notável posição dessa moça, colocada num colégio católico grã-fino, sob o bafejo do trono, de um lado, e ligada, de outro, a um irmão que as doces freiras consideravam um tremendo “feiticeiro”.

Ao cabo de alguns anos, Christine voltou para os Estados Unidos, onde se casou. Home tem parentes nos Estados Uni­dos até hoje.

É uma pena que não seja possível, nas escassas dimensões de um artigo, reproduzir tantos pormenores interessantes dessa vida fascinante. Temos que nos limitar aos episódios mais importantes.



Em 1858, Home foi à Holanda, onde realizou sessões para a Rainha Sofia, em Haia. Ganhou um belo anel de uso pessoal da soberana. Em Bruxelas, apanhou um severo resfriado e novamente suas faculdades falharam. De volta a Paris, o médico aconselhou uma permanência na Itália. Home partiu para Roma, onde se tornou amigo de um jovem nobre cossaco, o Conde Kucheleff-Besbordka.

Da amizade pelo Conde surgiu o amor por Alexandrina, sua cunhada, pouco mais que uma menina, pois contava apenas 17 anos. Sacha — como era conhecida na intimidade — era bela, viva, encantadora. Filha do General e Conde de Kroll e nada menos que afilhada do próprio Tzar. Home, convidado para jantar, sentou-se à direita da dona da casa e, ao ser apresentado à encantadora Sacha, teve a estranha impressão de que ela seria sua esposa. A menina disse-lhe, rindo, que ele se casaria dentro de um ano, porque, segundo uma superstição folclórica russa, era infalível o casamento quando um homem se sentava entre duas irmãs que acabasse de conhecer. As impressões de ambos se realizaram.

Depois de sessões verdadeiramente notáveis para o Tzar e sua corte — a convite do Imperador, naturalmente —, Home partiu para a Escócia, onde foi apanhar documentos pessoais, e a 1º de agosto de 1858 casou-se com Sacha. No peito de muitos convidados luziam condecorações imponentes. O Tzar foi representado por dois figurões do império, o Conde Bobrinski e o Conde Alexis Tolstoy, irmão do genial romancista (Leon). Elizabeth Browning, maliciosa, brincava com a Irmã, por carta: “imagine só o mobiliário conjugal flutuando pelo quarto, à noite, Henrietta 1”

Sacha foi uma boa e dedicada esposa e deu a Home um filho, Gregoire, apelidado Gricha. Home transmitiu a ela a tuberculose, da qual morreria, lúcida e conformada, em 3 de julho de 1862, após uma doce convivência de menos do 4 anos, seguida de uma disputa judicial demorada por causa da herança da jovem esposa. Gricha nasceu a 8 de maio de 1859 e, com a morte da mãe e as andanças do pai, acabou gravitando para o ramo russo da família, Os Home dos Estados Unidos souberam mais tarde que ele havia entrado para o exército russo.

Mas nem tudo eram flores no caminho de Home. Havia detratores gratuitos e inimigos impiedosos, como Robert Browning. Charles Dickens, o grande novelista inglês, foi um deles. Não fazia segredo algum da sua opinião, tachando Home de impostor. Achava, porém, que a coisa não tinha jeito, porque mesmo que se provasse a falsidade de Home “em cada célula microscópica de sua pele e em cada glóbulo do seu sangue, ainda assim os seus discípulos acreditariam nele e o adorariam”.

Foi o que escreveu em carta do 16 de setembro de 1860 à Senhora Linton. Diria e escreveria outros horrores do médium. Pobre Dickens! Depois de desencarnado, voltou em Espírito, para terminar, através de um médium humilde, o seu notável romance “O Mistério de Edwin Drood”, que deixara pela metade...

Pelo final do dezembro do 1863 achava-se Home novamente em Roma. A pressão do Vaticano começou a tornar-se insuportável. Home pretendia ficar na cidade eterna para estudar escultura. Um livro de William Nowitt, sua monumental “History of the Supernatural”, havia, do certa forma, contribuído, in­voluntariamente, para açular a hostilidade dos católicos e protestantes contra os médiuns em geral e contra Home em particular, o médium mais eminente e celebrado do seu tempo. “As luzes espirituais — dizia Nowitt —, o tremor das casas, a transposição de portas fechadas, ventanias poderosaS, levitação, escrita automática, comunicações em línguas estrangeiras — tudo isso ocorre todos os dias, tanto em Londres como nos Atos dos Apóstolos.”

Seguia-se um trecho em que, se não era feita a apologia de Home, pelo menos se buscava entender a sua missão e natureza do seu trabalho. Com a segurança de um espírito lúcido e dono de profunda Intuição, achava Howitt que as manifestações físicas, “desprezadas e ridicularizadas”, deveriam preceder acontecimentos mais importantes. Ao demonstrar suas faculdades perante o testemunho de imperadores, reis e rainhas, Home estava desempenhando sua tarefa de precursor, lançando alicerces.

Admirável inteligência dos fatos a de Howitt, mas que ajudou a agravar em hostilidade aberta o que antes era simples desconfiança da Igreja pelo médium. O famoso Cardeal Manning disse coisas incríveis, declarando que através de trabalhos espíritas o demônio se materializava, ora como mulher, ora como homem, e desses encontros resultavam criaturas híbridas de natureza diabólica, mas de forma humana! Segundo narrativa de W. H. Mallock, autor de “The New Republic”, o cardeal usou linguagem de tal modo grosseira (“unvarnished”) que os detalhes não poderiam ser reproduzidos.

Assim, a 2 de janeiro de 1864, Home recebeu intimação para comparecer à polícia. Dia 3, pela manhã, lá foi ele, em companhia de um amigo, chamado Gauthier, cônsul da Grécia. Preservou-se o diálogo do médium com a Policia, um documento do próprio punho do Home, que vale a pena reproduzir, conservando o seu estilo telegráfico:

“Janeiro 2, recebida carta solicitando minha presença na Polícia, no dia 3, entre as 10 e uma hora. Em 3 de Janeiro fui e me levaram à sala do advogado Pasqualoni. Eu estava acompanhado do meu amigo Senhor Gauthier, cônsul da Grécia em Roma. As perguntas foram as seguintes: Nome do meu pai e de minha mãe? Publicou algum livro? Sim. Sua profissão? Estudante de arte. Sua residência? Via dei Tritoni, 65. Quando você chegou? Há seis semanas. Quantas vezes você esteve em Roma? Duas. Quanto tempo ficou de cada vez? Dois meses da primeira e três meses da última vez. Quanto tempo pretende ficar desta vez? Até abril. Você tem residência permanente na França? Não. Quantos livros escreveu? Um. Quantos exemplares vendeu? Como não sou o próprio editor, seria impossível dizê-lo. Depois que você se tornou católico exerceu seus poderes mediúnicos? Nem antes, nem depois eu exerci meus poderes mediúnicos, de vez que não é poder que dependa da minha vontade. Não poderia usá-lo. Como é que você faz Isso? Acho que a resposta que acabo de dar é suficiente para esclarecer. Você considera seu poder um dom da natureza? Não; considero um dom de Deus! Que é um transe? Um estudo de fisiologia explicaria melhor do que eu. Você vê os Espíritos quando dormindo ou acordado? De ambas as maneiras. Por que os Espíritos procuram você? Para me consolarem e para convencer aqueles que não acreditam na sobrevivência da alma! Que religião eles pregam? Isso depende. Que é que você faz para eles se manifestarem? Eu estava para responder que eu nada fazia quando na mesa em que ele escrevia soaram batidas claras e distintas. Ele então disse: Mas a mesa não se mexe. Exata­mente enquanto ele dizia isso, a mesa moveu-se. Qual é a Idade do seu filho? Quatro anos e meio. Onde está ele? Em Maivern. Com quem? Dr. Gully. Dr. Gully é católico? Não. Quando você viu seu filho pela última vez? Em abril. Então, ele disse, sem nenhuma justificativa, que eu deveria deixar Roma dentro de três dias. Está de acordo? Não, decididamente não, ainda mais porque nada fiz para infringir as leis deste ou de qualquer outro país. Falarei com o cônsul inglês e seguirei seu conselho.”

Há um pormenor que Home omitiu no seu documento autógrafo. Quando as manifestações começaram na polícia, o excelente Dr. Pasqualoni, enormemente surpreendido, perguntou a razão dos ruídos. O Cônsul Gauthier informou tranqüilamente que eram os Espíritos.

- Espíritos! - exclamou Pasqualoni, olhando assustado em volta da mesa.

E em seguida: “Vamos continuar nosso interrogatório.”

Não adiantou a interferência — de má vontade — do cônsul inglês. Havia “ordens superiores” para despachar o médium para fora de Roma, e assim foi feito.

Segundo a biógrafa, as autoridades do Vaticano eram de opinião que o demônio estava metido naquilo e seria totalmente impossível tolerar aquele bando de Espíritos nos domínios da soberania papal.

Ademais, não era de admirar-se a expulsão, depois da audaciosa demonstração de seus amigos espirituais nas barbas da Polícia! E assim Home foi expulso do Roma, se­guindo para Nápoles, depois do uma despedida co­movente na estação, onde compareceram muitos dos seus amigos nobres, inclusive Sua Alteza Real, o Conde de Trani.

Outro problema bem mais sério teria Home com a lei. Foi o famosíssimo caso com a Sra. Lyon. Vamos resumí-lo.

Jane Lyon era viúva de 75 anos de idade, sem filhos. Encantou-se com o jovem Home e resolveu adotá-lo como filho, exigindo mesmo que o médium aceitasse até o seu nome. Por algum tempo — muito breve —, ele assinou Daniel Dunglas Home-Lyon.

A velhinha, a despeito da sua aparência extremamente mo­desta, era bastante rica e, em sucessivos e repentinos impulsos, entregou a Home cerca de sessenta mil libras esterlinas, uma fortuna considerável para a época.

Além de rica, Jane Lyon parecia pouco segura de suas faculdades mentais e estava agindo daquela maneira para chamar a atenção sobre si mesma, para atiçar o disputa dos parentes de seu marido e provar que ora dona do seu próprio dinheiro, podendo fazer dele o que quisesse.

Dizia que o Espírito de seu marido havia mandado entregar a importância a Home. O certo é que dentro de pouco tempo ela se arrependeu de tudo e, desejando recuperar o seu dinheiro, levou a questão à Justiça. O escândalo foi enorme e danoso para a reputação de Home. Muitos amigos deram-lhe apoio maciço; outros se omitiram. Seus detratores exultaram. Browning escreveu uma carta extremamente cruel a Isa Blagden, para narrar a infelicidade do aturdido médium, alegando mesmo que Home pretendia casar-se com a Sra. Lyon, o que parece fantástico. Por fim, Home foi condenado. O juiz achou que não ficara provado que Home se utilizara de “influências in­devidas”, mas que também não ficara provado o contrário e que o ônus da prova de sua inocência cabe­ria a ele próprio. Por conseguinte, disse o juiz, “decido contra ele; porque, como acho que o Espiritismo é uma burla, sinto-me no dever de considerar a queixosa como vitima de uma burla e não há evidência que me convença do contrário”.

Home devolveu o dinheiro e o nome à Senhora Lyon, mas saiu endividado e arrasado do episódio doloroso. Muitos foram os amigos que lhe manifesta­ram sua simpatia, entre eles católicos eminentes e até sacerdotes, como Monsenhor Talbot, que fora seu instrutor na tentativa de levá-lo para o seio da igreja.

Ainda estava pendente a questão judicial com a família de Sacha, mas essa ele ganhou e entrou na posse de consideráveis recursos. Em 18 de outubro de 1871, Home casou-se novamente com uma jovem russa, Julie, filha de Michel de Giumeline, Conselheiro de Estado do Imperador da Rússia, prima do eminente Alexandre Aksakoff, também Conselheiro de Estado, brilhante pesquisador de fenômenos psíquicos, autor de livros respeitáveis como “Animismo e Espiritismo”.

Julie também foi esposa compreensiva, suave e dedicada. Sobreviveu a Home e escreveu uma excelente biografia do marido. Deu-lhe uma filha que morreu em alguns dias. “A extrema beleza da criança é inacreditável”, escreveu Home, ao ver a recém-nascida. Julie tratou Gricha com “angélica paciência”, pois o menino, altamente nervoso, constituía problema.

Por alguns anos, Home e Julie viajaram pela Europa visitando amigos, enquanto ele consentia, aqui e ali, em realizar uma sessão. Suas forças, no entanto, o abandonavam, enquanto a doença ia minando seu organismo delicado. Aos 38 anos de idade, pratica­mente retirou-se da vida ativa. Escreveu suas memórias — “lncidents of My Life” (“incidentes da Minha Vida”), em dois volumes, e “Lights and Shadows of Spiritualism” (“Luzes e Sombras do Espiritismo”).

Em tempos passados, despertara o interesse do jovem físico e químico William Crookes, do qual se tornou grande e intimo amigo, pois era de apenas um ano a diferença de idade entre eles. Crookes declarou-se corajosamente convencido da legitimidade dos fenômenos produzidos por Home, enfrentando a tremenda e irracional hostilidade de seus colegas cientistas. Manteve-se até o fim da vida nessa convicção e proclamou-a publicamente, no apogeu de sua carreira, sob a responsabilidade de seu nome famoso e agraciado com o título de “Sir”.

Quanto a Home, viveu seus últimos dois anos na França. Gostava de jóias e as usava com prazer, mesmo porque cada uma delas recordava um amigo famoso: Napoleão III, Sofia, da Holanda, o Tzar Russo, Guilherme 1, da Alemanha, condes, príncipes e duques...

Na primavera de 1886, Julie levou o marido de Auteuil, onde estavam por algum tempo, até Paris, para consultar os médicos da capital. O prognóstico foi sombrio. Ambos os pulmões estavam muito afeta­dos, A viagem de volta a Auteuil foi feita em etapas suaves.

Home morreu a 21 de junho, aos 53 anos de idade, assistido por um sacerdote da Igreja Ortodoxa grega e foi enterrado no cemitério russo de Saint Germain-en-Laye, junto dos restos físicos de sua linda filhinha. Julie Home regressou à Rússia, quatro anos depois, e levou consigo Gricha, filho da primeira esposa com seu marido.

Daniel Dunglas Home, que a Enciclopédia Britânica considerou “um enigma não solucionado”, jamais foi apanhado fraudando. Desempenhou sua mis­são com dignidade e autenticidade, num ambiente fútil e que facilmente poderia fascinar e corromper um jovem de modestas origens sociais. Creio poder afirmar que seus amigos espirituais ficaram satisfeitos com os seus trabalhos.

Sua mediunidade tinha mesmo que ser de forma espetacular, de efeitos físicos, para que pudesse sacudir a incredulidade de uns, a má vontade de muitos, a hostilidade de tantos. Viram-na todos aqueles que tiveram olhos para ver. Sem dúvida, Howitt estava certo: Home ajudou a lançar os alicerces do edifício que só agora começamos a vislumbrar em todo o seu esplendor e em toda a grandeza do seu futuro. Espírito profundamente afetuoso e sereno, merece as vibrações mais puras do nosso afeto.

(1) – Earl – título correspondente ao Conde na nobiliarquia continental. Fica abaixo do Marquês e acima do Visconde.

(2) – A região conhecida como New England é formada pelos estados americanos de Maine, New Hampshire, Vermont, Massachussetts, Rhode Island e Connecticut.

(3) – New Church ou New Jerusalém Church, religião baseada nos ensinamentos de Swedenborg.

(4) – O nome de família era mesmo Home, mas o pai de Daniel assinava Hume. O médium ainda muito jovem passou a assinar-se Home, que conservou a vida inteira.

(5) A família de Elizabeth – os Barrets – tinha sua mansão nesse endereço.

(6) Na terceira sessão realizada nas Tulherias, materializou-se a mão de um homem que, tomando o lápis, assinou “Napoléon”. O Imperador reconheceu a assinatura de seu famoso tio e a Imperatriz pediu permissão para beijar a mão, que se elevou para receber o beijo de Eugênia.


Fonte: Reformador nº 4 – abril, 1972


Hermínio C.Miranda