Solidão
Espectro cruel que se origina nas paisagens do medo, a solidão é , na
atualidade, um dos mais graves problemas que desafiam a cultura e o homem.
A necessidade de relacionamento humano, como mecanismo de afirmação pessoal, tem gerado vários distúrbios de comportamento, nas pessoas tímidas, nos indivíduos sensíveis e em todos quantos enfrentam problemas para um intercâmbio de idéias, uma abertura emocional, uma convivência saudável.
Enxameiam, por isso mesmo, na sociedade, os solitários por livre opção e
aqueloutros que se consideram marginalizados ou são deixados à distancia pelas
conveniências dos grupos.
A sociedade competitiva dispõe de pouco tempo para a cordialidade
desinteressada, para deter-se em labores a benefício de outrem.
O atropelamento pela oportunidade do triunfo impede que o indivíduo, como
unidade essencial do grupo, receba consideração e respeito ou conceda ao próximo
este apoio, que gostaria de fruir.
A mídia exalta os triunfadores de agora, fazendo o panegírico dos grupos
vitoriosos e esquecendo com facilidade os heróis de ontem, ao mesmo tempo que
sepultam os valores do idealismo, sob a retumbante cobertura da insensatez e do
oportunismo.
O homem, no entanto, sem ideal, mumifica-se.
O ideal é-lhe de vital importância, como o ar que respira.
O sucesso social não exige, necessariamente, os valores intelecto-morais, nem o
vitalismo das idéias superiores, antes cobra os louros das circunstâncias
favoráveis e se apóia na bem urdida promoção de mercado, para vender imagens e
ilusões breves, continuamente substituídas, graças á rapidez com que devora as
suas estrelas.
Quem, portanto, não se vê projetado no caleidoscópio mágico do mundo fantástico,
considera-se fracassado e recua para a solidão, em atitude de fuga de uma
realidade mentirosa, trabalhada em estúdios artificiais.
Parece muito importante, no comportamento social, receber e ser recebido, como
forma de triunfo, e o medo de não ser lembrado nas rodas bem sucedidas, leva o
homem a estados de amarga solidão, de desprezo por si mesmo.
O homem faz questão de ser visto, de estar cercado de bulha, de sorrisos embora
sem profundidade afetiva, sem o calor sincero das amizades, nessas áreas, sempre
superficiais e interesseiras. O medo de ser deixado em plano secundário, de não
ter para onde ir, com quem conversar, significaria ser desconsiderado. Atirado à
solidão.
Há uma terrível preocupação para ser visto, fotografado, comentado, vendendo
saúde, felicidade, mesmo que fictícia.
A conquista desse triunfo e a falta dele produzem solidão.
O irreal, que esconde o caráter legítimo e as lídimas aspirações do ser, conduz
à psiconeurose de autodestruição.
A ausência do aplauso amargura, face ao conceito falso em torno do que se
considera, habitualmente como triunfo. Há terrível ânsia para ser-se amado, não
para conquistar o amor e amar, porém para ser objeto de prazer, mascarado de
afetividade. Dessa forma, no entanto, a pessoa se desama, não se torna amável
nem amada realmente.
Campeia, assim, o "medo da solidão", numa demonstração caótica de instabilidade
emocional do homem, que parece haver perdido o rumo, o equilíbrio.
O silêncio, o isolamento espontâneo, são muito saudáveis para o indivíduo,
podendo permitir-lhe reflexão, estudo, auto- aprimoramento, revisão de conceitos
perante a vida e a paz interior.
O sucesso, decantado como forma de felicidade, é, talvez, um dos maiores
responsáveis pela solidão profunda.
Os campeões de bilheteira, nos shows, nas rádios, televisões e cinemas, os
astros invejados, os reis dos esportes, dos negócios, cercam-se de fanáticos e
apaixonados, sem que se vejam livres da solidão.
Suicídios espetaculares, quedas escabrosas nos porões dos vícios e dos tóxicos
comprovam quanto eles são tristes e solitários. Eles sabem que o amor, com que
os cercam, traz, apenas, apelos de promoção pessoal dos mesmos que os envolvem,
e receiam os novos competidores que lhes ameaçam os tronos, impondo-lhes
terríveis ansiedades e inseguranças, que procuram esconder no álcool, nos
estimulantes e nos derivativos que os mantém sorridentes, quando gostariam de
chorar, quão inatingidos, quanto se sentem fracos e humanos.
A neurose da solidão é doença contemporânea, que ameaça o homem distraído pela
conquista dos valores de pequena monta, porque transitórios.
Resolvendo-se por afeiçoar-se aos ideais de engrandecimento humano, por
contribuir com a hora vazia em favor dos enfermos e idosos, das crianças em
abandono e dos animais, sua vida adquiriria cor e utilidade, enriquecendo-se de
um companheirismo digno, em cujo interesse alargar-se-ia a esfera dos objetivos
que motivam as experiências vivenciais e inoculam coragem para enfrentar-se,
aceitando os desafios naturais.
O homem solitário, todo aquele que se diz em solidão, exceto nos casos
patológicos, é alguém que se receia encontrar, que evita descobrir-se,
conhecer-se, assim ocultando a sua identidade na aparência de infeliz, de
incompreendido e abandonado.
A velha conceituação de que todo aquele que tem amigos não passa necessidades,
constitui uma forma desonesta de estimar, ocultando o utilitarismo sub-reptício,
quando o prazer da afeição em si mesma deve ser a meta a alcançar-se no
inter-relacionamento humano, com vista à satisfação de amar.
O medo da solidão, portanto, deve ceder lugar à confiança nos próprios valores,
mesmo que de pequenos conteúdos, porém significativos para quem os possui.
Jesus, o Psicoterapeuta Excelente, ao sugerir o "amor ao próximo como a si
mesmo" após o "amor a Deus" como a mais importante conquista do homem,
conclama-o a amar-se, a valorizar-se, a conhecer-se, de modo a plenificar-se com
o que é e tem, multiplicando esses recursos em implementos de vida eterna, em
saudável companheirismo, sem a preocupação de receber resposta equivalente.
O homem solidário, jamais se encontra solitário.
O egoísta, em contrapartida, nunca está solícito, por isto, sempre atormentado.
Possivelmente, o homem que caminha a sós se encontre mais sem solidão, do que
outros que, no tumulto, inseguros, estão cercados, mimados, padecendo disputas,
todavia sem paz nem fé interior.
A fé no futuro, a luta por conseguir a paz intima - eis os recursos mais
valiosos para vencer-se a solidão, saindo do arcabouço egoísta e ambicioso para a realização edificante onde quer que se esteja.
Joanna de Ângelis