O Amigo Chaves
Logo após a desencarnação de Belmiro Chaves, os companheiros do grupo
efetuaram verdadeira consagração à memória dele.
Sem dúvida, fora excelente pai de família, generoso amigo e abnegado irmão.
Desde o instante em que se aproximou do Espiritismo evangélico, convertera-se em vigilante sustentáculo dos sofredores. Não obstante a condição de alfaiate humilde e sem reservas materiais, conquistara a confiança e a amizade de todos.
Integrava o quadro de médiuns curadores da casa e, em razão disso, o seu
afastamento trouxera incalculável pesar. Retirava-se com ele vigorosa coluna do
serviço cristão.
O louvável colaborador, contudo, se era realmente bondoso e devotado à Doutrina,
não havia ainda logrado alcançar realizações espirituais decisivas em si
próprio. Precisaria esforçar-se muitíssimo para desenvolver com a amplitude
desejável as qualidades santificadoras que assinalam os pioneiros da elevação.
Por haver estudado o Evangelho, durante alguns anos, na Terra, não se exonerara
dos grandes e indiscutíveis deveres referentes à suprema edificação interior da
alma para a vida eterna. Qual ocorre à maioria dos desencarnados, em posição
mais digna, Chaves necessitava intensificar os valores evolutivos e consolidar o
aprendizado e a iniciação com Jesus, através de experiências e obrigações novas.
Os companheiros que ficaram na carne, todavia, deixavam perceber enorme
desconhecimento quanto a semelhante imperativo da Natureza.
Começou o mal-entendido, desde o momento em que voltavam, acabrunhados e
choroso, do cemitério distante. Reuniram-se, em prece, pelo amigo prestimoso que
os antecedera no túmulo. Mas, longe de se circunscreverem ao amor, ao
reconhecimento e à saudade, internaram-se pelo terreno da súplica direta, como
se Belmiro houvesse atingido a galeria dum semideus. Rogaram-lhe que os não
abandonasse, que os atendesse nas necessidades e problemas da luta humana.
Alguns dos irmãos, menos avisados, enxertavam pedidos particulares na
solicitação coletiva, agindo mentalmente, segundo auto-sugestões perniciosas.
O colega desencarnado, apesar de enfraquecido, no natural abatimento de grande
transição, achava-se presente, ouvindo as orações, em companhia do venerável
Benigno, um dos mentores espirituais do núcleo de serviço em função.
Terminados os trabalhos, Belmiro sentia-se tocado nas fibras mais intimas.
Aquela ternura dos companheiros sensibilizava-o. Nunca fizera idéia do amor que
lhe dedicavam. Como não esforçar-se por eles e sacrificar-se, gostosamente, por
todos?
Mergulhado nessas reflexões, foi acordado por Benigno, que o notificou
afetuosamente:
- Amigo, é chegado o tempo de tua renovação. Busquemos a Vida Maior, onde te
aguardam outros dons iluminativos e novos ensinamentos.
Chaves, porém, contemplou aquelas paredes singelas, detendo-se na paisagem
interior tão estreitamente unida ao seu coração, e antecipada saudade
estrangulou-lhe a alma sensível.
- Benigno, amado benfeitor - pediu, em pranto -, não me afastes daqui!...
Gostaria de poder continuar ajudando aos amigos queridos, permanecendo nesta
casa, a serviço deles, amparando-os nas atividades edificantes de cada dia. Quem
poderá escutar o que ouvimos agora, sem prender-se ao justo reconhecimento?
Todos confiam em mim, imperfeito servo embora. Se possível, digna-te, devotado
Instrutor, auxiliar-me para que eu prossiga beneficiando, de alguma sorte, os
que ainda ficam...
O mentor fixou uma expressão facial de surpresa, e, como quem modificava de
atitude, falou, muito calmo:
- Belmiro, creio que não sabes o que pedes; no entanto, não te posso violentar
os sentimentos. A morte física, em qualquer circunstância, deve ser interpretada
como elemento transformador, que nos cabe aproveitar, intensificando o
conhecimento de nós mesmos e a sublimação de nossas qualidades individuais, a
fim de atendermos, com mais segurança, aos desígnios de Deus. Acredito que no
meu convite coloquei toda a substancia de meu convite coloquei toda a substância
de meu pensamento amigo, mas, se pretendes demorar neste circulo, não tenho
direito a qualquer objeção. Virás comigo para o trabalho de assistência ao
organismo espiritual e, logo que te refaças, satisfarás aos próprios desejos.
Belmiro mostrava-se contentíssimo, longe de entender toda a extensão da
advertência preciosa.
Vigorizado em grande instituição de auxilio, regressou, incontinenti, à velha
tenda de trabalho, embora continuasse sob a esclarecida orientação Belmiro.
Iniciou-se, então, para o ex-alfaiate, esmagadora tarefa. Porque Belmiro
desencarnara, na posição de homem bondoso e honesto, a maioria dos companheiros
dispôs-se a convertê-lo em verdadeiro escravo, tomando-o para mediador de todas
as solicitações justas e injustas. Transformando no "amigo Chaves", desde a
primeira semana foi convocado pelas mais estranhas exigências.
Era procurado mentalmente para toda espécie de serviço. Rogava-se-lhe a
assistência fraterna nas mais disparata das situações. Era recordado
insistentemente nas cozinhas, nos balcões, nas salas de costura, nos trabalhos
de enfermagem, nas lutas mais vulgares de cada dia. Até aí, porém, as suplicas
eram razoáveis e compreensíveis. Mas Belmiro era também instado na esfera da
insensatez.
Exigiam-lhe a cooperação em assuntos de baixa classe e o trabalhador era
obrigado a comparecer espiritualmente para lidar com o material menos digno das
paixões desregradas. Além disso, ainda era compelido a atender no campo de
frivolidades inúmeras. Criaturas ociosas chamavam-no para a corrigenda em
crianças vadias, à busca de objetos perdidos e à obtenção de noticias
prematuras. O ex-alfaiate não conhecia descanso. Enquanto outras entidades se
desligavam naturalmente dos afazeres, em pausas necessárias de repouso, era ele
forçado a contínua movimentação para atender a todos, porquanto o pensamento em
súplica, de quantos lhe recorriam ao nome, agia como forte rede mental,
enlaçando-o a caprichos e propósitos inferiores.
Ao fim de seis meses, afirmava-se exausto.
Impossível continuar.
Desanimado, dirigiu-se a Benigno, rogando aflitivamente.
- Meu amigo, meu generoso amigo, compadece-te de meu pobre espírito, prisioneiro
de sombras e dificuldades. Não posso mais!... As solicitações da preguiça e da
má fé, as exigências dos vícios e dos caprichos humano me atormentam o
coração!...
- Não precisas prosseguir - respondeu o benfeitor, sorridente -,
providenciaremos nova situação para o teu urso fraternal. Não julguei pudesses
ir tão longe na tarefa imprópria que abraçaste. São poucos os trabalhadores que
se encontram habilitados a ouvir todos os pedintes, com bondade e tolerância, de
maneira a satisfazê-los pelo padrão da vontade de Deus. Somente depois de longas
e porfiadas experiências, aprendemos a beneficiar sem estabelecer algemas e a
servir sem a vaidade de nos sentirmos em plano superior...
E, enquanto Belmiro chorava de alegria, na expectativa de renovação e liberdade,
Benigno concluiu:
- Para colaborares exclusivamente junto às inteligências encarnadas, não podes
prescindir de adequada preparação. Tomarei as medidas justas, a teu respeito;
entretanto, meu caro, no curso de outros problemas, jamais olvides que os nossos
trabalhos no Planeta, por mais belos e proveitosos, pertencem a Jesus em
primeira mão. Por menosprezares semelhante verdade, é que se verifica grande atraso em eu evolutivo.
Irmão X