A Letra que Mata

"Para que sirvamos em novidade de Espírito e não na velhice da letra". (Romanos, 7:6)


Em sua famosa Epístola aos Romanos, afirmou Paulo de Tarso: "Morremos para aquilo em que estamos retidos", acrescentando logo a seguir: "Para que sirvamos em novidade de Espírito, e não na velhice da letra".

Esta afirmação do apóstolo equivale a esta outra, também exarada no livro dos Atos dos Apóstolos: "A letra mata e o Espírito vivifica", com a significação de que, tanto nos livros dos profetas como nos Evangelhos, devemos deixar de lado a interpretação segundo a letra, para nos atermos tão-somente ao significado segundo o espírito.

Ao contrário do que sucedeu com os apóstolos diretos de Jesus, Paulo de Tarso, assim que travou conhecimento com os ensinos da Boa Nova, deixou para trás todos os preconceitos e o apego às vãs tradições, para abraçar incondicionalmente os imorredouros preceitos legados por Jesus Cristo.

Enquanto alguns dos apóstolos praticavam o batismo de água, Paulo proclamava que "não veio para batizar mas sim para evangelizar". Enquanto os apóstolos, ainda apegados às tradições da circuncisão, alimentavam sentimentos favoráveis à continuidade dessa prática, ele combatia frontalmente tudo aquilo que viesse a favorecê-la, não hesitando mesmo em enfrentar o Apóstolo Pedro, na cidade de Antióquia, refutando os ensinamentos do velho apóstolo e dizendo que "eles eram preceitos de homens e não de Deus".

Na realidade, não se pode apegar ao formalismo das letras, mas é necessário extrair delas o Espírito que vivifica. É imperioso que assim suceda, pois, do contrário, cairemos nos mesmos erros dos nossos antepassados.

Quando Jesus Cristo afirmou: "eu e o Pai somos um", ele não pretendeu dizer que isso implicava numa aberrante trindade, onde ele, como filho, era parte integrante do Pai. O sentido de suas palavras foi de dizer que entre ele e o Pai existe perfeita identidade, tendo por isso se convertido num seu autêntico mensageiro na Terra. Ele executou a vontade do Pai, mas deixou bem claro a sua dependência dele, e mesmo a sua submissão. Para ilustração mencionemos apenas a sua oração no Horto das Oliveiras, quando disse: "Meu Pai, seja feita a tua vontade e não a minha".

Aqui também cabe um esclarecimento sobre as palavras que abrem o Evangelho de João: "Deus nunca foi visto por alguém. O Filho Unigênito que está no seu seio, esse o fez conhecer". (João, 1:18).

Ora, não se pode conceber a idéia de ser Jesus o Unigênito de Deus, uma vez que isso implicaria na crença de ser ele o Filho único, o único gerado por Deus.

O próprio Cristo desmente esse conceito quando, em Espírito, disse a Madalena, segundo o que está explícito no próprio Evangelho de João: "Não me detenhas porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus". (João, 20:17).

Neste último trecho evangélico ficou bem evidenciado que Deus é Pai de todos, que todos são seus filhos, desde os mais bondosos, que são denominados santos, até os mais maldosos, que são chamados demônios.

"Morremos para aquilo em que estamos retidos" significa dizer que, devido ao excessivo apego ao formalismo da letra, fica retida a evolução do Espírito vivificante, por isso é necessário morrer para aquilo que retém o nosso progresso espiritual, a fim de viver para as coisas novas e retumbantes, que na realidade alçam os nossos Espíritos para Deus, enquadrando-os na célebre sentença de Jesus Cristo: "Conheça a verdade e ela vos fará livres".


Paulo Alves Godoy