A Morte de Deus

(Sinopse Crítica às teorias de Sartre e de Nietzsche)

Certa feita, Sartre, numa de suas conferências, posteriormente publicada, declarou que o existencialismo é um humanismo. Estranhou-se que o filósofo francês não houvesse, em seus arrazoados, mencionado a figura de Nietzsche (1844-1900), o famoso autor de "Assim Falou Zaratrustra". Há, entre ambos os filósofos, profundas semelhanças. Senão, vejamos:

O humanismo de Sartre parte da premissa de que Deus não existe, e declara que o existencialismo não é mais do que "um esforço para tirar todas as conseqüências duma posição atéia coerente". Pois bem. Este é o ponto de partida de Nietzsche, embora não tenha sido ele quem inventou o ateísmo. Entretanto, foi ele quem primeiro pregou a morte de Deus, sendo responsável pela condução do ateísmo às últimas conseqüências. E a posição assumida por Nietzsche foi de tal maneira desassombrada e radical, que ele se tornou o mais veemente dos que, na Europa, combateram a religião. E Nietzsche, praticamente, fundamentou suas acerbas críticas, a partir dos, por exemplo "Amor dei Intellectuais", de Bruno e Espinosa, "Transcendental", de Kant e o "Absoluto", de Hegel. Até mesmo a ciência rio escapou às agudas e teístas observações do filósofo alemão, porque fundada, segundo ele, "numa crença metafísica, numa parte do grande incêndio milenário que é o resplendor da fé cristã e da fé platônica". Nietzsche é, pois, mais ateu que Sartre.

Todavia, e focalizando as conseqüências do ateísmo sartreano, temos o homem com liberdade absoluta, "como projeto de si mesmo, artífice de seu destino", ou seja - como existência que cria a sua essência. Em Nietzsche, porém, a resultante da morte de Deus "é a exaltação da vontade de potência". Deduz-se que, se Deus não existe, o homem pode abandonar-se à vontade de potência e de vida, a seus instintos, exigências, arbítrios.

A liberdade, em Sartre, revela-se necessária, gratuita e inocente. Necessária, porque o homem tem a capacidade de tudo escolher; gratuita, porque não se dirige a valores preexistentes, mas cria os valores, escolhendo-os e, inocente, levando-se em conta que tudo o que se escolhe é bom, porque escolhido livremente.

Em Nietzsche, identificamos os pontos de referência da liberdade satreana, quando verificamos ser gratuita a vontade de potência, entendendo que não tem nenhum objetivo, nenhuma finalidade. É um fim para si mesma: viver por viver. E, já que Deus não existe, o homem pode abandonar-se à vontade de potência e de vida.

Concluindo, nem Sartre nem Nietzsche conservaram-se no niilismo de suas primeiras obras. Sartre busca uma saída através da moral kantiana: enquanto que Nietzsche levando ao extremo o seu niilismo ético, daria uma razão de ser àquela humanidade que tanto desprezou.

Finalmente, vamos encontra um Nietzsche presa de terríveis e alucinantes dúvidas, confessando-se a Overbeck, em 1885: "minha filosofia, se é que eu tenho direito de assim chamar o que me atormenta. interiormente, até às raízes, não é mais comunicável...".

E, as crises que o atormentavam, levam-no à loucura, nela mergulhando de 1889 a 1900, quando morreu.

Sartre, por seu turno, confunde-se entre as dobras de suas próprias concepções existencialistas, consideradas por George Lukács, "a última grande perversão da agonizante filosofia burguesa", no momento em que pensa em exalçar o marxismo, tentando concilia-lo com o seu existencialismo. Na verdade, jamais se poderia pensar em fundir ambas as teorias, porque, no momento em que os marxistas aceitarem os postulados existencialistas da liberdade, deixarão de ser marxistas. Se os existencialistas aceitarem a dissolução do indivíduo na sociedade e na natureza, deixarão de ser existencialistas.

A verdade é que, tanto Nietzsche quanto Sartre, lastrearam suas ideologias na especulação, empírica por excelência, e, tanto o fizeram, que terminaram fugindo à realidade vivencial. Andaram, o tempo todo, em busca das respostas plausíveis à curiosidade mórbida de seus espíritos, em profundo conflito, diante dos insondáveis mistérios do ser, tentando localizar causas, onde, apenas, despontavam efeitos. O homem que ambos tentavam construir fragmentava-se, à medida em que o distanciavam de Deus. Aliás, este homem jamais existiu, a não ser nas mentes atormentadas desses espíritos de fulgurante inteligência, mas, soberbamente, orgulhosos e narcisistas. Ao negarem Deus. Negaram-se a si próprios, como partículas divinas, que o são, em essência e verdade!


Carlos Bernardo Loureiro