Em Sessão Prática
A situação no grupo doutrinário apresentava anormalidades
significativas. Desentendiam-se os companheiros entre si. Olvidando obrigações
respeitáveis, confiavam-se a críticas acerbas. Acentuavam-se hostilidades
mal-disfarçadas de cizânia, orientadas pela incompreensão. Ninguém se lembrava
dAquele humilde e divino servidor que lavara os pés dos próprios companheiros.
Cada aprendiz da comunidade chamava a si a posição de comando e o direito de
julgar asperamente.
Debalde os mentores espirituais da casa convidavam à ponderação e ao
entendimento recíproco.
Os operários descuidados recebiam-lhes as palavras, sem maior atenção pelas
advertências educativas.
É que Cláudio e Elias, os dois abnegados diretores invisíveis do agrupamento,
não se inclinavam a exortações contundentes.
Entre os desencarnados de nobre estirpe, há também fidalguia, cavalheirismo e
gentileza e, na opinião deles, não deviam tratar os irmãos de trabalho como se
fossem crianças inconscientes.
Certa noite em que as vibrações antagônicas se fizeram mais fortes, anulando os
melhores esforças no campo da espiritualidade edificante, Elias dirigiu-se a
Cláudio, sugerindo, esperançoso :
– Creio de grande eficácia a visita de alguns sofredores ao núcleo dos nossos
amigos encarnados. Poderiam assim observar, de perto, os efeitos escuros da
vaidade e da indisciplina. Amanhã, teremos sessão prática, de há muito tempo
esperada, e admito a oportunidade de semelhante lição.
– Excelente medida! – exclamou o colega, satisfeito – não seria razoável
recordar obrigações comuns, de modo direto, a cooperadores nossos que estudam o
Evangelho, todos os dias. Afinal de contas, não obstante mergulhados na carne,
possuem tantos deveres para com Jesus quanto nós, e, se já receberam inúmeras
mensagens sobre as necessidades de ordem e concurso fraterno, como insistir com
eles no serviço a fazer? O alvitre é, portanto, providenciai. Traremos à reunião
alguns infelizes, desviados da reta conduta. Observando-lhes os padecimentos, é
provável que sintam a lição, com segurança, tornando aos rumos legítimos...
Com efeito, na noite imediata, duas entidades perturbadas foram trazidas à
sessão.
Mais de trinta freqüentadores passaram a ouvir a palestra dolorosa.
O doutrinador Silvério Matoso fazia paciente esforço para acalmar os
desventurados que choravam ruidosamente, através das organizações mediúnicas.
– Desgraçado de mim! – comentava um deles – sou um réprobo, amaldiçoado de
todos! Onde o meu equilíbrio? perdi tudo... Não tenho recursos para a locomoção,
quanto antigamente!... Vivo no seio de tempestade sem bonança...
Enquanto as lágrimas lhe corriam, copiosas, da face, clamava o outro:
– Que será de mim, relegado às trevas? Para onde se foram os miseráveis que me
ataram ao poste do martírio? Malditos sejam!...
Acostumado à doutrinação, Matoso dizia, fraternalmente :
– Meus amigos, abstende-vos da desesperação e da revolta! confiemos no Divino
Poder!
Inspirado diretamente por Elias, o benfeitor espiritual que se esforçava
intensamente por gravar a lição da hora, prosseguia, enérgico:
– Viveis presentemente as realidades da alma. Notastes agora que o relaxamento
interior no mundo ocasiona grandes males. Desditosos todos aqueles que conhecem
o bem e o não praticam! desventurados os rebeldes, os hipócritas e os
indiferentes, porque a morte do corpo revela a verdade pura, e as almas
transviadas não encontram senão abismos e trevas, lágrimas e tormentos. Jesus,
porém, é a fonte inesgotável das bênçãos de paz renovadora. Tende calma e
esperança!...
– Sou, todavia, um infame – soluçava uma das entidades comunicantes –,
repetidamente escutei palavras da fé santificante e do bem salvador, mas nunca
cedi a ninguém. Quis viver as minhas fraquezas, alimentá-las e defendê-las com
todas as forças. Nunca ponderei, intimamente, quanto às realidades eternas. Ao
alcance de meu coração, fluíam ensinamentos e socorros de toda sorte. Fui muita
vez convidado ao Evangelho do Cristo; entretanto, zombei de todas as
oportunidades de renovação espiritual. Considerava meus melhores amigos, no
capítulo da religião, tão egoístas e mentirosos quanto eu mesmo. Agora...
quantas lágrimas devo chorar, eu que desprezei a paz divina e preferi as
vibrações infernais?
– E eu? – exclamava o mais revoltado – poderá haver trevas mais densas que as
minhas? haverá dor maior que esta a devastar-me? Sinto-me desequilibrado, sem
direção... Um náufrago perdido no abismo é mais feliz que eu... Rodeiam-me
quadros de horror... Experimento fogo e gelo ao mesmo tempo... Podereis, acaso,
compreender-me, a mim que penetrei o vale fundo da desgraça?!...
Matoso, porém, orientado espiritualmente por Elias, interferiu, solicito :
– Olvidai, meus irmãos, as algemas da vida material e ligai-vos ao Senhor, pelo
coração. É indispensável extirpar a raiz dos enganos adquiridos na Terra! A vida
não se resume a impressões físicas, a fantasia corporal; é vibração da
eternidade, da divina eternidade! acalmai os sentimentos em desequilíbrio para
recolherdes a dádiva dos conhecimentos superiores. Esquecei o mal, tornai ao
caminho reto! Atravessais, agora, a zona escura das conseqüências do erro. R
necessário renovar as próprias forças, a fim de reacenderdes a lâmpada da fé.
Assim, Matoso, devagarinho, convenceu as pobres almas desiludidas e
desesperadas. Exaltou a necessidade de disciplina, com a desistência do egoísmo
e da vaidade, azorragando os maus costumes e os vícios vulgares.
Em terminando a longa palestra, ambos os comunicantes se revelavam diferentes.
Despediram-se,revestidos de coragem, esperança e bom ânimo.
A assembléia de ouvintes encarnados mantinha-se sob forte impressão e, entre os
invisíveis, Elias e Cláudio aguardavam, ansiosos, a colheita de ensinamentos.
Teriam os circunstantes compreendido Que as lições se destinavam a eles mesmos?
que ainda se encontravam na carne, com sublimes oportunidades em mão? guardariam
as experiências ouvidas? ponderariam sobre as lutas que aguardam os rixosos e
imprevidentes, além do túmulo? Modificariam as diretrizes?
Ambos os orientadores, benevolentes e sábios, esperavam a manifestação dos
amigos, por identificarem o aproveitamento havido, quando a Senhora Costa
quebrou o silêncio, murmurando:
– Viram vocês quanta dureza e intransigência?
– É... é... – comentou o velho Silva Torres – pregam eles numerosas peças neste
mundo para chorarem no outro...
– E nós, os médiuns – acrescentou Dona Segismunda Fernandes –, devemos suportar
semelhantes Espíritos como se fôssemos caixas de pancada.
– Esses infelizes não chegaram a ser identificados – observou Alberto Lima, um
dos companheiros mais entusiastas do núcleo –, e foi pena. Pareciam muito cultos
e, sobremaneira, versados em matéria religiosa.
– Notei, porém – aduziu outro confrade –, que se não fora a palavra convincente
de Matoso teríamos sofrido desastre. Tenho a idéia de que tratamos com entidades
não somente sofredoras, mas igualmente perversas.
E o próprio doutrinador da casa, que recebera o, inspiração brilhante de Elias,
partilhando a conversação, afiançou, contente :
– Em suma, estou satisfeito. Guardo a convicção de que esses desventurados
integram a falange perturbadora que me persegue o lar.
Elias e Cláudio, invisíveis ao raio de observação comum, entreolhavam-se com
indizível desapontamento.
Os companheiros encarnados mantinham-se prontos para o comentário cintilante e
vivo. Qualificavam as comunicantes, queixavam-se dos sacrifícios a que eram
obrigados por semelhantes visitas, reclamavam-lhes a ficha individual,
situavam-nos entre os verdugos da vida privada; todavia, não houve um só que
entendesse a lição legítima da noite, nela reconhecendo uma advertência do Alto
para reajustamento de roteiro, enquanto era tempo.
Ninguém percebeu que, doutrinando os Espíritos, o grupo estava sendo igualmente
doutrinado.
Irmão X