Rebeldia
O pequeno rebelde amava a Mãezinha viúva com entranhado amor;
entretanto, iludido pela indisciplina, dava ouvido aos conselhos perversos.
Estimava a leitura de episódios sensacionais, em que homens revoltados formam
quadrilhas de malfeitores, nas cidades grandes, e, a qualquer página edificante,
preferia o folhetim com aventuras desagradáveis ou criminosas. Engolfou-se em
tantas histórias de gente má que, embora a palavra materna o convidasse ao
trabalho digno, trazia sempre respostas negativas e rudes na ponta da língua.
- Filho – exclamava a senhora paciente -, o homem de bem acomoda-se no serviço.
- Eu não! – replicava, zombeteiro.
- Vamos à oficina. O chefe prometeu ceder-te um lugar.
- Não vou! Não vou!...
- Mas já deixas-te a escola, meu filho. É tempo de crescer e progredir nos
deveres bem cumpridos.
- Não fui à escola, a fim de escravizar-me. Tenho inteligência. Ganharei com
menor esforço.
E enquanto a genitora costurava, até tarde, de modo a manter a modesta casa, o
filho, já rapaz, vivia habitualmente na rua movimentada. Tomava alcoólicos em
excesso e entregava-se a companhias perigosas que, pouco a pouco, lhe degradaram
o caráter.
Chegava à casa, embriagado, altas horas da noite, muita vez conduzido por
guardas policiais.
Vinha a devotada Mãe com o socorro de todos os instantes e rogava-lhe, no outro
dia:
- Filho, trabalhemos dignamente. Todo o tempo é adequado à retificação dos
nossos erros.
Atrevido e ingrato, resmungava:
- A senhora não me entende. Cale-se. Só me fala em dever, dever, dever...
A pobre costureira pedia-lhe calma, juízo e chorava, depois, em preces.
Avançando no vício, o rapaz começou a roubar às escondidas. Assaltava
instituições comerciais, onde sabia fácil o acesso ao dinheiro; e quando a
Mãezinha, adivinhando-lhe as faltas, tentou aconselhá-lo, gritou:
- Mãe, não preciso de suas observações! Deixá-la-ei em paz e voltarei, mais
tarde, com grande fortuna. Dar-lhe-ei casa, roupa e bem-estar com fartura. A
senhora tem o pensamento preso a obrigações porque, desde cedo, vem atravessando
vida miserável.
Assim dizendo, fugiu para a via pública e não regressou ao lar.
Ninguém mais soube dele. Ausentara-se, definitivamente, em direção a importante
metrópole, alimentando o propósito de furtar recursos alheios, de maneira a
voltar muito rico ao convívio maternal.
Passou o tempo.
UM, dois, três, quatro, cinco anos...
A Mãezinha, contudo, não perdeu a esperança de reencontrá-lo.
Certo dia, a imprensa estampou nos jornais o retrato de um ladrão que se tornava
famoso pela audácia e inteligência.
A costureira reconheceu nele o filho e tocou para a cidade que o abrigava.
A polícia não lhe conhecia o endereço e, porque fosse difícil localizá-lo
rapidamente, a senhora tomou quarto num hotel, a fim de esperar.
Na terceira noite em que aí se encontrava, notou que um homem embuçado lhe
penetrava o aposento às escuras. Aproximou-se apressado para surrupiar-lhe a
bolsa. Ela tossiu e ia gritar por socorro, quando o ladrão, temendo as
conseqüências, lhe agarrou a garganta e estrangulou-a.
Nos estertores da morte, a costureira reconheceu a presença do filho e murmurou,
debilmente:
- Meu...meu...filho...
Alucinado, o rapaz fez luz, identificou a Mãezinha já morta e caiu de joelhos,
gritando de dor selvagem.
A desobediência conduzira-o, progressivamente, ao crime a à loucura.
Néio Lùcio