Sem Espíritos?
O Movimento Espírita tem atravessado lutas e períodos de afirmação da consciência do próprio espírita. Houve época em que se discutiu amplamente se era ou não o Espiritismo uma Religião. Tempo e fosfato foram gastos, páginas e tintas ocuparam amplo espaço da Imprensa Espírita para debater uma questão que por si só já era óbvia. Mas, digamos que a discussão foi importante, necessária, mesmo a título de consolidação da citada consciência espírita. Também debateu-se amplamente outros temas, que a nada levam, a não ser a dissabores desnecessários, pois que focando a atenção para estas questões secundárias perde-se o essencial do estudo doutrinário, muito mais abrangente e de conseqüências salutares para a felicidade humana.
Num passado recente, e com resquícios no presente, discutiu-se sobre a negação ou validade da prece e, mais atualmente, houve alguma movimentação sobre a divisa: Nada de comunicações de Espíritos.
Alegam os defensores da idéia que não dispomos no ambiente espírita de condições ideais, com médiuns e espíritos confiáveis que possam produzir comunicações autênticas e com objetivos benéficos para o Movimento Espírita.
A proposta gerou divisões, desentendimentos, significou verdadeiramente um entrave aos propósitos maiores da Doutrina, pela perda de tempo que ocasionou, desviando a atenção para os superiores objetivos do Espiritismo.
Mas toda questão merece análise. E todos merecem respeito pelas opiniões que expressam.
Sujeitos a equívocos
Em primeira instância, digamos que realmente não há perfeição na Terra e que médiuns ou espíritos, estamos todos sujeitos a equívocos, erros, mas isto não invalida o esforço que se coloca a serviço da Doutrina Espírita. Contrariamente ao que se pensa, as reuniões de intercâmbio com os espíritos são de grande validade para o esclarecimento de homens e espíritos, muito além de seu aspecto de experimento e tem cumprido função socorrista de alto alcance. Isto sem falar no farto material de estudo que coloca à disposição. Solicitamos inclusive aos leitores se reportarem também ao farto material publicado a respeito, especialmente aqueles vindos via mediúnica por Yvonne Pereira e Divaldo Pereira Franco.
Mas, para embasar ainda mais a análise do tema, busquemos os esclarecimentos do próprio Codificador Allan Kardec. O assunto é tratado com grande propriedade na REVISTA ESPÍRITA (Ano IX, abril de 1866, edição da EDICEL, com o artigo O ESPIRITISMO SEM OS ESPÍRITOS), numa demonstração clara que já àquela época o mesmo problema era também ventilado.
Nas considerações valiosas que apresenta, Kardec destaca: "Certamente, não podemos saber, por uma prova material, se o Espírito que se apresenta sob o nome de Pascal é realmente o do grande Pascal. Que nos importa, se diz boas coisas? Cabe-nos pesar o valor de suas instruções, não pela forma da linguagem, que se sabe por vezes marcada pelo cunho da inferioridade do instrumento, mas pela grandeza e pela sabedoria dos pensamentos. Um grande Espírito que se comunica por um médium pouco letrado é como um hábil calígrafo que se serve de uma pena ruim; o conjunto da escrita terá o cunho de seu talento, mas os detalhes da execução, que dele não dependem, serão imperfeitos". Vale destacar ainda que os próprios Espíritos recomendam submeter todos os seus ensinamentos pelo cadinho da lógica e do bom senso para aceitação desses ensinamentos.
Ensino veio dos Espíritos
Por outro lado, sabe-se claramente que o Espiritismo não é de concepção humana pessoal. Fruto do ensinamento de diversos espíritos, sem eles o Espiritismo não existiria. Ora, foram eles próprios que vieram revelar sua existência e por conseqüência transmitiram toda a Doutrina. A tentativa de implantação de um sistema de inutilidade do intercâmbio com os espíritos coloca em dúvida a própria Doutrina, tão ricamente conhecida pelos tesouros morais que apresenta. Rejeitar as comunicações, negá-las mesmo, parece-nos profunda ingratidão, voltar-se contra os espíritos que tanto nos trouxeram. O canal da comunicação mediúnica deve ser utilizado, é claro, utilizando-se das diretrizes da Codificação, com a coerência e prudência que ela recomenda.
Como pondera o próprio Codificador no artigo em referência, como devem se sentir esses espíritos que, encarregados da transmissão de ensinamentos, ficam a ouvir discussões se lhes deve ser dada a palavra ou não? Considere-se ainda que, levando-se em conta diversidade das comunicações (por força mesmo das diferentes posições evolutivas dos espíritos comunicantes), há nisto um grande valor, onde muitas experiências e ensinamentos podem ser colhidos e espalhados em favor da sofrida humanidade terrestre. Por dedução lógica desse argumento, há, pois (e isto é muito claro!), boas e ruins comunicações. Tanto por grau evolutivo do espírito, como pelas condições morais do médium. Porém, cabe-nos o critério de seleção e escolha. Rejeitar todas seria o mesmo que rejeitar bons escritores porque existem os maus escritores, como bem pondera Allan Kardec. Todos os dias fazemos seleção do melhor para nossas vidas; temos oportunidade de opções. Por que não fazer o mesmo com relação à produção dos espíritos?
Usando ainda outro texto do Codificador (do mesmo artigo citado), ele escreve que: "O Espiritismo tende para a reforma da humanidade pela caridade. Não é, pois, de admirar que os Espíritos preguem a caridade sem cessar; eles a pregarão ainda tanto tempo enquanto ela não houver desarraigado o orgulho e o egoísmo do coração do homem. Se alguns acham as comunicações inúteis, porque repetem incessantemente as lições de moral, devem ser felicitados, pois são bastante perfeitos para não necessitarem delas; mas devem pensar que os que não têm tanta confiança em seu próprio mérito e que desejam se melhorar, não se cansam de receber bons conselhos".
Por outro lado, leve-se em conta ainda o inumerável contingente de trabalhadores espíritas espalhados pelo planeta todo. Não haverá entre tantos, outro tanto número de companheiros sinceros, dedicados, honestos, trabalhadores fiéis do Evangelho, pela Causa do Cristo? Ora, como não? Aí estão, a olhos vistos, os resultados do trabalho espírita, espalhando benefícios a toda gente, sem necessidade de citar aqui qualquer desses trabalhos ou benefícios espalhados. Já são por demais conhecidos, mesmo que operando no anonimato.
Satisfação moral
A conclusão do artigo que nos baseamos para desenvolver esta matéria é fantástica. Diz Allan Kardec: "Repetimos aqui o que dissemos a propósito da prece: Se o Espiritismo deve ganhar em influência, é aumentando a soma de satisfação moral que proporciona. Que os que o acham insuficiente tal qual é, se esforcem por dar mais que Ele; mas não será dando menos, tirando o que faz o seu encanto, a força e a popularidade que o suplantarão.
Esta satisfação moral a que se refere o Codificador deve ser o objeto de nossas preocupações, o foco para onde devemos direcionar nossos olhos e nossa atenção. Ora, aí está o programa do Espiritismo. Ela, a satisfação moral, é encontrada nas respostas às aflições humanas, nas respostas aos anseios de saber, na felicidade da convivência fraterna uns com os outros. Também no bem que se pode espalhar e nas conquistas da inteligência que vislumbra as grandezas do Criador. Mas, sem dúvida, na melhora individual que nos cabe alcançar, que redundará na melhora da sociedade humana.
E ficamos a questionar se o Espiritismo é ou não religião? Ficamos a perder tempo com discussões sobre a validade da prece e do intercâmbio com os espíritos?
Ambos, a prece e o intercâmbio com os espíritos, são recursos exponenciais colocados à nossa disposição para o exercício do amor, da confiança em Deus, de sintonia com o Bem Maior que nos ampara sem cessar. Como dispensá-los? Apenas o uso de bom senso é recomendável... Amparados pelo estudo doutrinário, são valiosos recursos de progresso e felicidade.
Seria alongar demais, o presente trabalho, apresentar outras considerações também sobre a prece. Sugerimos ao leitor uma breve consulta a O LIVRO DOS ESPÍRITOS e a O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, sem deixar de consultar também a REVISTA ESPÍRITA, onde o texto integral levará o leitor a passeios muito agradáveis ao lado do lúcido raciocínio do Codificador.
Orson Carrara