Frutos
- Reconheço no Evangelho o livro da salvação, mas
decididamente não concordo. Não concordo em que os espíritas de afirmem
cristãos.
Era um negociante do Recife, muito ligado às tarefas de evangelização,
dirigindo-se a Djalma de Farias, então benemérito lidador da Doutrina Espírita
na capital pernambucana.
- Imagine só - e apontando para um homem sob pesado fardo na rua -, aquele é
Secundino, que esteve na cadeia por mais de oito anos. Beberrão contumaz,
assassinou um companheiro de quarto que lhe negará alguns vinténs, e, por causa
dele, morreu a esposa e um filhinho da vítima, em triste miséria. Isso aconteceu
aqui mesmo, perto de nós. Entretanto, hoje diz que é espírita. Lê comentários do
Novo Testamento. Fala sobre Jesus. Não é o caso do demônio que, depois de velho,
se fez ermitão?
Farias, porém, objetou, muito afável:
- Meu caro, veja lá o que diz. Não será esse um caso para louvar? Pois se vemos
um delinqüente regenerado, um homem problema tornar-se útil... Você é leal
servidor do Evangelho. Vamos lá! E Jesus? O Mestre foi o remédio dos enfermos, o
equilíbrio dos loucos, a visão dos cegos, o movimento dos paralíticos... O papel
da religião não será ajudar, restaurar, reviver?
Surpreendendo-se desarmado de argumentação mais sólida, o comerciante aduziu:
- Para mim nada disso vale. Só a palavra do Evangelho é verdadeira. Quero a
letra da lei...
- E você tem aí o Testamento do Cristo? - indagou Farias com humildade.
- Como não, gritou o opositor enervado - estudo o Evangelho de ponta a ponta.
E sacou do bolso pequenino exemplar.
- Então, abra o livro - pediu Djalma -, é sempre impossível que não tenhamos
resposta justa.
O lojista descerrou as páginas, com segurança, e surgiram aos olhos de ambos as
palavras de Cristo no versículo trinta e três do capítulo doze, nas anotações de
Mateus: "... pelo fruto se conhece a árvores."
Hilário Silva