A Regeneração
Há muitos séculos as humanidades prosseguem de maneira
uniforme a sua marcha ascendente através do espaço e do tempo. Cada uma delas
percorre, etapa por etapa, a rota do progresso. Se diferem quanto aos meios
infinitamente diversos que a Providencia lhes concedeu, são todas chamadas a se
unirem e a se identificarem na perfeição, desde que todas partem da ignorância e
da inconsciência de si mesmas e avançam indefinidamente para um mesmo objetivo:
Deus, para atingirem a felicidade suprema pelo conhecimento do amor.
Há universos e mundos, como povos e indivíduos. As transformações físicas da
terra, que sustenta os corpos, podem ser divididas em duas formas, da mesma
maneira que as transformações morais e intelectuais que alargam o espírito e o
coração.
A terra se modifica pela cultura, pelo arroteamento e os esforços perseverantes
dos seus possuidores e interessados. Mas a esse aperfeiçoamento incessante
devemos juntar os efeitos dos grandes cataclismos periódicos, que representam o
seu regulador supremo, à maneira da enxada e da charrua para o lavrador.
As Humanidades se transformam e progridem pelo estudo perseverante e pela
permuta de pensamentos. Ao se instruírem e ao instruírem os outros, as
inteligências se enriquecem, mas os cataclismos morais que regenerem o
pensamento são necessários para determinar a aceitação de certas verdades.
Assimilam-se sem perturbações e progressivamente as conseqüências de verdade
aceitas, mas é necessária uma conjugação imensa de esforços perseverantes para
que novos princípios sejam aceitos. Marcha-se lentamente e sem fadiga por um
caminho plano, mas são necessárias todas as forcas para subir-se uma senda
agreste e superar os obstáculos que surgem. Assim também, para avançar, o homem
tem de quebrar as cadeias que o prendem ao pelourinho do passado através do
habito, da rotina e dos preconceitos. Do contrario continuara firme e ele rodara
num circulo vicioso, sem saída, ate compreender que, para superar a resistência
que lhe fecha a rota do futuro, não basta quebrar as velhas armas estragadas,
mas é indispensável fazer outras.
Destruir um navio que faz água por todos os lados, antes de empreender uma
travessia marítima, é medida de prudência, mas será ainda necessário, para
realizar a viagem, construir novos meios de transporte. Eis, no entanto,
atualmente, onde se encontram certos homens avançados, no mundo moral e
filosófico e em outros mundos do pensamento! Tudo solaparam, tudo atacaram! As
ruínas se espalham por toda parte, mas eles ainda não compreenderam que é
necessário elevar, sobre essas ruínas, alguma coisa mais seria do que um livre
pensamento e uma independência moral, independentes apenas da moral e da razão.
O nada em que se apóiam é uma palavra profunda somente por ser vazia. Se Deus
não pode mais criar os mundos do nada, não pode o homem criar novas crenças sem
bases. Essas bases estão no estudo e na observação dos fatos.
A verdade eterna, como a lei que a confirma, não dependem da aceitação dos
homens para existir. Ela é. E governa o Universo a despeito dos que fecham os
olhos para não vê-la. A eletricidade existia antes de Galvani e o vapor antes de
Papin, como a nova crença e os princípios filosóficos do futuro, antes mesmo que
os publicistas e os filósofos os confirmem.
Sede os pioneiros perseverantes e infatigáveis! Se vos chamarem de loucos, como
a Salomao de Caus, se vos repelirem como a Fulton, continuai avançando, porque o
tempo, o juiz supremo, fará surgir das trevas os que alimentam o farol que deve,
um dia, iluminar toda a Humanidade.
Na Terra, o passado e o futuro são os dois braços de uma alavanca que tem no
presente o seu ponto de apoio. Enquanto a rotina e os preconceitos dominam, o
passado esta no apogeu. Quando a luz se faz, a alavanca se move e o passado que
já escurecia desaparece, para dar lugar ao futuro que alvorece.
Allan Kardec