Maria
(...) Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às
orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem
em angústias do coração, por amor de seu filho.
Embora a soledade do ambiente, não se sentia só: uma como força singular lhe
banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam o oceano, espalhando os aromas da
noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a lua
plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e de luz.
Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.
-Minha mãe - exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu
carinho -, venho fazer-te companhia e receber a tua bênção.
Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe
inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a
delicadamente. Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os
devotados e sinceros filhos de Deus dando a entender que lhe compreendia as mais
ternas saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que
mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com
bálsamos tão dulçorosos? Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para
pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no
íntimo as mais santas consolações. Onde ouvira noutros tempos aquela voz meiga e
carinhosa?! Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta
carícia? Seus olhos se umedeceram de ventura, sem que conseguisse explicar a
razão de sua terna emotividade.
Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com
profundo acento de amor:
-“Minha mãe, vem aos meus braços!”
Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais
bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que se
filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés
do peregrino amigo, divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do
suplício. Não pode mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao
coração, bradou com infinita alegria:
-"Meu filho! Meu filho! As úlceras que te fizeram!"
E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se,
tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração.
Suas mãos ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar,
procurando sofregamente a úlcera que tantas lágrimas lhe provocara ao carinho
maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não
conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de amor, fez um movimento
para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com
ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial, se lhe
ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos disse em carinhoso transporte:
-“Sim, minha mãe, sou eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu
reino a Rainha dos Anjos...”
Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade,
manifestar seu agradecimento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara,
enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se a
entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.
No outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com
João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe
Santíssima.
Maria já não falava. Num inolvidável expressão de serenidade, por longas horas
ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.
A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita se
elevou da Terra, onde tantas vezes chorava o júbilo, de saudade e de esperança.
Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria, com as
boas-vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades
angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.
Humberto de Campos