Deus de Vivos
"Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo" ((Mateus, 16:16));
"Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em Espírito e em
verdade." (João, 4:24)
O mundo atual está repleto de inovações e de inovadores. A cada passo deparamos
com teorias esdrúxulas e até incompatíveis com a razão, cada uma delas acenando
ao homem com idéias tão transitórias quanto os próprios homens que as lançaram.
São idéias ou doutrinas suscitadas e sustentadas por pessoas, as quais têm
prevalência tão somente enquanto essas pessoas estiverem presas aos invólucros
carnais, na Terra, mas que são derrocadas no tempo e no espaço tão logo os seus
idealizadores abandonem o corpo perecível.
Uma teoria aberrante, que conseguiu e está conseguindo arrebanhar adeptos até no
seio de tradicionais comunidades religiosas em algumas nações, formando
agrupamentos aqui e acolá, consiste num lema recentemente lançado pela imprensa
e sustentado por aqueles grupos, proclamando que "Deus está morrendo". Essas
pessoas pretendem dar vida a um utópico Cristianismo sem Deus, ou seja um
Cristianismo-ateu.
O Espiritismo, doutrina cuja codificação completa agora cem anos, repele, como
não poderia deixar de ser, essa teoria extravagante e atentatória ao bom senso,
concordando, entretanto, que quem está morrendo é o deus herdado dos primitivos
hebreus e do paganismo, aquele deus cheio de predileções, eivado de parcialidade
e de propensões profundamente humanas, que conseguiu habitar os altares dos
povos, desde os idos imemoriais, até recentemente, quando o Espiritismo veio
revelar um novo conceito de Deus.
O deus que está morrendo é o antigo "deus dos exércitos" dos antigos israelitas,
o deus trino das penas eternas, das circuncisões, do pecado original, dos
dogmas, do céu beatífico, das penitências e dos holocaustos. O deus de um
universo acanhado e circunscrito a este minúsculo planeta, o deus que presidiu
as cruzadas, as inquisições, as fogueiras "depuradoras" da Idade Média, o
monopólio religioso. O deus rancoroso, vingativo, zeloso, que habitaria um céu
privilegiado, guardando em seu recôndito, juntamente com a multidão de almas
boas, um contingente não menos vultuoso de almas homicidas, sanguinárias e
eivadas de ódio, que ali estaria meramente porque serviu a determinados
interesses religiosos na Terra; fechando esse mesmo céu a outro contingente de
almas boas e generosas, cujo único delito consistiu em não concordar com os
postulados sustentados por uma outra ramificação religiosa rival.
O que está morrendo é o deus personificado no Jeová bíblico, nas formas mais
primitivas de adoração dos povos, o deus de Torquemada, o deus do ódio, da
vingança, das pragas, das noites de S. Bartolomeu, das torturas, das lutas
religiosas, e, em seu lugar vive o Deus eterno, criador de todas as coisas, o
Deus de Jesus Cristo, o Deus desconhecido que Paulo de Tarso revelou aos
atenienses, o Deus misericordioso apregoado por Francisco de Assis.
O Deus que vive, e que o Espiritismo proclama, é o Deus uno, indivisível,
criador de todas as coisas, soberanamente justo e bom, o Deus que Jesus Cristo
nos revelou através de singelo colóquio com a mulher samaritana, o Deus que
norteia os rumos de todas as criaturas situadas em qualquer escola religiosa,
que o aceitam em Espírito e Verdade, sem os prejuízos que os homens lhe
atribuíram no passado, o Deus que está presente nas incontáveis moradas do
Universo, o Deus vivo, o Deus atuante, o Deus que não quer seus filhos em
adoração estática, mas em ação dinâmica, trabalhando e servindo, cooperando e
vibrando.
Existe, portanto, uma diferença fundamental entre o deus que realmente está
morrendo, o deus do homem velho e arraigado nos antigos preconceitos, que
preencheu a sua finalidade transitória, o deus moldado segundo o figurino e as
conveniências de agrupamentos religiosos, que sofria alterações de conformidade
com a evolução da humanidade, o deus antropomorfo, e o Deus que vive e vibra em
nossos corações, o Deus dos homens novos, libertos dos preconceitos, das
adorações exteriores, dos vãos tradicionalismos, o Deus que não nos considera
como servos, mas sim, como filhos. "O Deus que não dá uma pedra a quem lhe pedir
um pão, ou uma serpente a quem lhe pedir um peixe", segundo o dizer judicioso
dos Evangelhos.
Nas remotas eras Deus era compreendido na forma antropomorfa, na atualidade é
percebido porém inconcebível em sua forma, mas no futuro será sentido em sua
forma espiritual e verdadeira.
O que está morrendo é o deus limitado, cedendo lugar ao Deus ilimitado, amplo,
expressão máxima da Justiça e do Amor.
Paulo Alves Godoy