Violência
Pede-nos você algumas observações sobre violência.
Aqui vai uma. É um pedaço do cotidiano na vida terrestre.
Ele, o esposo, chamava-se Pedro Manoel.
Ela, a companheira, Maria da Conceição.
Ele, o filhinho de quatro janeiros, Lúcio Ismael.
Chegou à noite em que Pedro, com fome de riqueza fácil gritou, furioso, para a
mulher.
- Pois, hoje mesmo, vou-me embora. De hoje em diante. Estou cansado de migalhas.
Vou e voltarei rico. Tenho o meu revólver para agir. Você terá as jóias que
nunca viu e nosso filho ganhará o conforto que merece...Não sei quando, mas
voltarei ao nosso barraco...
Notando que o esposo se preparava para sair, a companheira falou, humilde:
- O que é isto, Pedro? Você vai onde?
Ele trovejou:
- Vou para o mundo, vu roubar.
E nada o deteve. O homem se retirou, à guisa de porta.
Maria da Conceição, no escuro da noite, enlaçou-se ao pequenino e começou a
rezar...
Quase quatro meses passados sobre a partida brusca de Pedro e vamos
reencontrá-lo nas primeiras horas da madrugada, espionando os fundos de uma casa
grande, cercada de extenso e belo jardim.
Escondendo-se na folhagem com a esperteza de um gato e pisando muito de leve,
conseguiu abrir a porta que o oferecia acesso ao quintal estreito e, de revólver
na mão, ensaiando os primeiros passos nas sombras que o luar prateava.
Penetrando no ambiente que pressupunha enriquecido de valores imensos, eis que a
senhora encarregada de zelar pela casa, percebeu-lhe a presença e, agarrando-se
ao filhinho, passou a pedir socorro, em voz alta.
O assaltante, irritado, varou a porta semicerrada do aposento e desfechou dois
tiros sobre a mulher que lhe frustrara os planos, fugindo em seguida.
Somente pelos jornais da manhã seguinte, Pedro Manoel veio, a saber, que
exterminara a vida da esposa e do filhinho, para os quais, diariamente, se lhe
voltava o coração.
Correu à procura de parentes, tentando obter noticias, cientificando-se, por
fim, de que Maria da Conceição, pressionada por grandes necessidades, resolvera
empregar-se nas funções domestica, na casa digna em que trabalhara quando
solteira.
Desesperado o infeliz desequilibrou-se e, com a arma da véspera, entregou-se ao
suicídio.
Aqui esta, meu amigo, o que lhe posso contar.
Violência é isso ai.
Augusto Cezar