Amizade Depois da Morte
Uma obra inglesa, cuja tradução, na 5ª edição, foi publicada
em Amsterdam, em 1753, mereceu especial atenção de Allan Kardec, através de
resumo da referida obra enviado por um correspondente. A obra, pois, anterior à
Codificação, com o título A amizade depois da morte, contendo as cartas dos
mortos aos vivos, pela Senhora Rowe, recebeu de Kardec, no resumo analisado, as
seguintes expressões: “Talvez jamais os princípios do Espiritismo tenham sido
formulados com tanta precisão.” E “Nada é mais instrutivo e ao mesmo tempo mais
concludente em favor do Espiritismo, do que ver as idéias sobre as quais ele se
apóia, professadas por pessoas estranhas à Doutrina, e antes mesmo de seu
aparecimento”.
Kardec destaca algumas páginas, que transcrevemos parcialmente:
Página 7: Os Espíritos bem-aventurados se interessam ainda pela felicidade dos
mortais, e fazem com freqüência visita aos seus amigos. Eles poderiam mesmo
aparecer aos seus olhos, se as leis do mundo material não os proibissem (...)
Página 12, carta III: de um filho único, morto na idade de dois anos, à sua mãe:
Desde o momento em que minha alma se livrou de sua incômoda prisão, achei-me um
ser ativo e racional. Admirado de vos ver chorar por uma pequena massa, apenas
capaz de respirar, que eu acabava de deixar, e da qual estava encantado por me
encontrar desembaraçado, parecia-me que estáveis descontente de minha feliz
libertação (...). Então eu conhecia tão pouco a diferença dos corpos materiais e
imateriais, que nem imaginava estar inteiramente visível para vós quanto
estáveis para mim (...)
Página 27: A Terra que habitais será um dia uma morada deliciosa, se todos os
homens, cheios de estima pela virtude, nela praticarem fielmente as santas
máximas. Julgai, pois, do excesso de nossa felicidade, uma vez que, ao mesmo
temo que aproveitamos de todas as vantagens de uma virtude generosa e perfeita,
sentimos os prazeres tanto acima daqueles dos quais gozais, do que o céu o é da
Terra, o tempo da eternidade e o finito do infinito. Os mundanos são incapazes
de gozar dessas delícias (...) Como uma alma interessada poderia encontrar
prazer na amizade terna e sincera que se pode considerar como uma das principais
vantagens que possuímos no céu? É a verdadeira morada da amizade.
Allan Kardec enumera várias outras abordagens, que sugerimos ao leitor consultar
diretamente na fonte original: Revista Espírita, edição de novembro de 1868,
páginas 327 a 331, tradução de Salvador Gentile (edição IDE-Araras-SP,).
Todavia, não poderíamos completar a matéria sem citar o sempre cuidadoso e claro
pensamento do Codificador – após as pequenas transcrições –, que transcrevemos
parcialmente:
“(...) Dissemos muitas vezes que se o Espiritismo tivesse vindo um século mais
cedo, não teria tido nenhum sucesso; eis aqui a prova evidente, porque esse
livro, seguramente, é do mais puro e do mais profundo Espiritismo. Para que se
pudesse compreendê-lo e apreciá-lo, seria preciso que as crises morais pelas
quais o espírito humano passou há um século, e que lhe ensinaram a discutir as
suas crenças, mas seria preciso também que o niilismo, sob suas diferentes
formas, como transição entre a fé cega e a fé raciocinada, provasse a sua
impossibilidade em satisfazer as necessidades sociais e as legítimas aspirações
da Humanidade. A rápida propagação do Espiritismo, em nossa época, prova que ele
veio em seu tempo. Se se vêem, ainda hoje, pessoas que têm sob os olhos todas as
provas, materiais e morais, da realidade dos fatos espíritas, e, que, apesar
disso, se recusam à evidência e ao raciocínio, com mais forte razão dever-se-ia
encontrá-las muito mais há um século; é que seu espírito é ainda impróprio para
assimilar essa ordem de idéias; elas vêem, ouvem e não compreendem, o que não
acusa uma falta de inteligência, mas um falta de aptidão especial; elas são como
as pessoas a quem, embora muito inteligentes, falta o sentido musical para
compreender e sentir as belezas da música; é o que é preciso entender quando se
diz que a hora não é chegada.”
O comentário acima, de Kardec, vem em razão da postura do tradutor, no prefácio
da obra, que, pelo texto apresentado, não parece crer na existência e
comunicação dos Espíritos.
Tanto que chegou a classificar a obra com fábulas ou apólogos inventados pela
autora, como os leitores poderão verificar na indicação original, já citada
acima.
Como também ocorre atualmente com negadores sistemáticos, que diminuem a cada
dia, face às evidências. O fato real, contudo, conforme ensina a Doutrina
Espírita, é que a imortalidade proporciona o grande espetáculo da permanência
dos laços reais de união e fraternidade entre os espíritos, nunca destruídos
pela morte biológica do corpo. Os sentimentos, as conquistas intelectuais, os
afetos autênticos, nunca se perdem. Por conseqüência, como sugere o título da
matéria e mesmo do livro citado por Kardec, a amizade verdadeira entre as
criaturas permanece mesmo após a desencarnação. E, diga-se de passagem, com mais
abundância, pois que destruídos os limites impostos pela vida material.
E, o mais interessante ainda, é que não se trata de mera especulação filosófica
apenas. A imortalidade da alma e a possibilidade de sua comunicação adentram
para o campo da ciência. Sim, a ciência da realidade dos fenômenos, que podem
ser analisados, pesquisados, estudados.
É todo um mundo de conhecimentos, inesgotável fonte de pesquisa...
Orson Carrara