Do Maravilhoso e do Sobrenatural
"Para os que consideram a matéria a única potência da
Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso,
ou sobrenatural, e, para eles, maravilhoso é sinônimo de superstição".
"A explicação dos fatos que o espiritismo admite, de suas causas e conseqüências
morais, forma toda uma ciência e toda uma filosofia, que reclamam estudo sério,
perseverante e aprofundado". Allan Kardec. ( "O Livro dos Médiuns", Primeira
Parte. Cap.II, Itens 10 e 14, n.º 7º)
Os fenômenos mediúnicos são de todos os tempos e estão em todas as raças. Ao
longo da história dos povos a intervenção dos Espíritos é como um sopro forte,
agitando, sacudindo, alterando o clima psíquico dos homens.
Essas presenças imateriais, constantes, vivas e atuantes entrevistas por muitos,
pressentidas por outros, transformam-se, ao sabor das fantasias de mentes
imaturas, em fatos maravilhosos e sobrenaturais coloridos com as tintas fortes
da imaginação.
E à medida que o tempo avança a tradição oral se encarrega de transmitir os
fatos maravilhosos de geração em geração, naturalmente acrescidos dos matizes
regionais, o que depois veio a constituir-se no folclore característico de cada
região. Muita coisa hoje considerada folclórica teve a sua origem em fatos
mediúnicos, destes decorrendo superstições as mais diversas, profundamente
enraizadas na alma do povo. Desde o feiticeiro, na mais antiga, remota e
primitiva das aldeias indígenas, que pratica a sua medicina numa tentativa de
esconjurar os maus Espíritos e atrair os bons, até o nosso sertanejo, o homem
simples do povo, que e apega às simpatias e sortilégios para garantir a sua
defesa contra os mesmos maus Espíritos e granjear a proteção dos bons, vemos o
conhecimento espontâneo, intuitivo e natural que o ser humano tem da
imortalidade da alma e da comunicabilidade entre os "mortos"e os vivos. Desta
certeza originam-se, evidentemente, os cultos afros, tão difundidos em nosso
país, mas herança de uma pátria distante, numa amálgama muito bem elaborada de
religião e folclore.
Muitas lendas - algumas bem antigas - são até hoje bastante propaganadas em
nosso sertão. É o caso, por exemplo, da "mula-sem-cabeça"que ainda prossegue
apavorando, pois vez que outra a lenda se vitaliza com a notícia de novas
aparições da monstruosa criatura. A lógica nos faz deduzir que tal lenda nasceu
da aparição de algum Espírito zombeteiro e maldoso que se deixava ver nesta
forma para aterrorizar as pessoas, com que se diverte e compraz. igualmente as
aparições de lobisomens, sacis, boitatás, etc.
Allan kardec elucida a respeito, em "O Livro dos Médiuns".
"(...) Mas, também já temos dito que o Espírito, sob seu envoltório
semimaterial, pode tomar todas as espécies de formas, para se manifestar. Pode,
pois, um Espírito Zombeteiro aparecer com chifre e garras, se assim lhe
aprouver, para divertir-se à custa da credulidade daquele que o vê, do mesmo
modo que um Espírito bom pode mostrar-se com asas e com uma figura
radiosa."(Cap. VI, Item 113-ª)
Embora muitas crendices tenham-se originado de fatos mediúnicos, há ainda uma
enorme variedade de superstições que nada têm a ver com eles e são conseqüência
da ignorância e do temor ante o desconhecido.
Em decorrência surgiram as fórmulas mágicas, as simpatias, os talismãs como
recursos de defesa.
Assevera kardec:
"Assim, o Espiritismo não aceita todos os fatos considerados maravilhosos, ou
sobrenaturais. Longe disso, demonstra a impossibilidade de grande número deles e
o ridículo de certas crenças, que constituem a superstição propriamente dita".
(Cap. II da Primeira Parte, Item 13. Ob. Cit.)
A Doutrina Espírita tem explicação lógica e racional para todas as coisas e
situações da vida. lançando luz sobre problemas considerados inextricáveis,
esclarece com raciocínio claro e insofismável tudo o que está ao alcance da
mente humana. Essas explicações são simples e objetivas, despojadas de
misticismo e quaisquer crendices. Não se justifica, portanto, que entre os
espíritas sejam cultivadas certas crenças , sejam adotadas atitudes que
constituem um misto de ritualismo superstições. É exatamente na prática
mediúnica que mais se encontram estes resquícios.
A fé, sob o domínio do pensamento mágico, é novamente envolvida nos véus dos
mistérios e, não sendo raciocinada, deixa de esclarecer e libertar.
Concessões vão sendo feitas, gradativamente, até que ao final já não exista
quase nada que lembre a Doutrina Espírita qual a deturpação e práticas estranhas
enxertadas.
Não se justifica que a mediunidade seja encarada em nosso meio como alguma coisa
sobrenatural e os médiuns como pessoas portadoras de um dom maravilhoso que as
torna seres da parte, diferentes dos demais. Tudo isto é fruto, unicamente da
falta de estudo doutrinário. E quando a Codificação jaz esquecida e os
postulados básicos da Doutrina Espírita sequer são conhecidos, restará apenas o
mediunismo ou o sincretismo religioso. Neste campo o maravilhoso e o
sobrenatural imperam.
A Doutrina Espírita não é isto. Não podemos contemporizar quanto ao nosso
testemunho de fidelidade doutrinária. E este testemunho deve ser prestado,
sobretudo, dentro da Casa Espírita, no seu dia-a-dia. Por essa razão não se pode
postergar o estudo da obra de kardec, estudo este que deve ser metódico e
constante.
Pode ser que assim, penetrando no sentido cada vez mais profundo do que seja o
Espiritismo no seu todo global, abrangente, consigamos um pouco do bom senso, da
lógica e da firmeza que eram apanágio do Codificador.
Suely Caldas Schubert