O Gande Príncipe
Um rei oriental, poderoso e sábio, achando-se envelhecido e
doente, reuniu os três filhos, deu a cada um deles dois camelos carregados de
ouro, prata e pedras preciosas e determinou-lhes gastar esses tesouros, em
viagens pelo reino, durante três meses, com a obrigação de voltarem, logo após,
a fim de que ele pudesse efetuar a escolha do príncipe que o sucederia no trono.
Findo o prazo estabelecido, os jovens regressaram à casa paterna.
Os dois mais velhos exibiam mantos riquíssimos e chegaram com enorme ruído de
carruagens, mas o terceiro vinha cansado e ofegante, arrimando-se a um bordão
qual mendigo, despertando a ironia e o assombro de muita gente.
O rei bondoso abençoou-os discretamente e dispôs-se a ouvi-los, perante compacta
multidão.
O primeiro aproximou-se, fez larga reverência, e notificou:
- Meu pai e meu soberano, viajei em todo o centro do País e adquiri, para teu
descanso, um admirável palácio, onde o teu nome será venerado para sempre.
Comprei escravos vigorosos que te sirvam e reuni, nesse castelo, digno de ti,
todas as maravilhas de nosso tempo. Dessa moradia resplandecente, poderás
governar sempre honrado, forte e feliz.
O monarca pronunciou algumas palavras de agradecimento, mostrou amoroso gesto de
aprovação e mandou que o segundo filho se adiantasse:
- Meu pai e meu rei! – exclamou, contente – trago-te a coleção de tapetes mais
rica do mundo. Dezenas de pessoas perderam o dom da vista, a fim de tece-los.
Aproxima-se da cidade uma caravana de vinte camelos, carregando essas
preciosidades que te ofereço, ó augusto dirigente, para revelares tua fortuna e
poder!...
O monarca expressou gratidão numa frase carinhosa e recomendou que o mais moço
tomasse a palavra.
O filho mais novo, alquebrado e mal vestido, ajoelhou-se e falou então:
- Amado pai, não trouxe qualquer troféu para o teu trono venerável e glorioso...
Viajei pela terra que o Supremo Senhor te confiou, de Norte a Sul e de Leste a
Oeste, e vi que os súditos esperam de teu governo a paz e o bem estar, tanto
quanto o crente aguarda a felicidade da Proteção do Céu... Nas montanhas,
encontrei a febre devorando corpos mal abrigados e movimentei médicos e
remédios, em favor dos sofredores. Ao Norte, vi a ignorância dominando milhares
de meninos e jovens desamparados e instalei escolas em nome de tua administração
justiceira. A Oeste, nas regiões pantanosas, fui surpreendido por bandos de
leprosos e dei-lhes conveniente asilo em teu nome. Nas cidades do Sul, notei que
centenas de mulheres e crianças são vilmente exploradas pela maldade humana e
iniciei a construção de oficinas em que o trabalho edificante as recolha. Nas
fronteiras, conheci inúmeros escravos de ombros feridos, amargurados e doentes,
e libertei-os, anunciando-lhes a magnanimidade de tua coroa!...
A comoção interrompeu-º Fez-se grande silêncio e viu-se que o velho soberano
mostrava os olhos cheios de lágrimas.
O rapaz cobrou novo ânimo e terminou:
- Perdoa-me se entreguei teu dinheiro aos necessitados e desculpa-me se regresso
à tua presença envolvido em extrema pobreza, por haver conhecido, de perto, a
miséria, a enfermidade, a ignorância e a fome nos domínios que o Céu conferiu às
tuas mãos benfeitoras... A única dádiva que te trago, amado pai, é o meu coração
reconhecido pelo ensinamento que me deste, permitindo-me contemplar o serviço
que me cabe fazer... Não desejo descansar enquanto houver sofrimento neste
reino, porque aprendi contigo que as necessidades dos filhos do povo são iguais
às do filho do rei!...
O velho monarca, em pranto, muito trêmulo, desceu do trono, abraçou
demoradamente filho esfarrapado, retirou a coroa e colocou-a sobre a fronte
dele, exclamando, solene:
- Grande Príncipe: Deus, o Eterno Senhor te abençoe para sempre! É a ti que
compete o direito de governar, enquanto viveres.
A multidão aplaudiu, delirando de júbilo, enquanto o jovem soberano, ajoelhado,
soluçava de emoção e reconhecimento.
Néio Lúcio