Lenda da Estrela Divina
De passagem por nosso templo, trago-vos à meditação um apólogo
simples.
Convencido de que somente através do próprio trabalho conseguiria entesourar as
bênçãos de seu Divino Criador, o Homem compareceu diante do Altíssimo e rogou
humildemente :
Pai, aspiro a conquistar a vossa grandeza infinita... Que fazer para penetrar os
domínios da vossa glória?
O Todo-Compassivo louvou-lhe os propósitos e determinou :
– Desce à Terra e convive com os teus irmãos
O Homem nasceu e renasceu, muitas vezes, adquirindo experiência em diversas
nações, e voltou ao Paraíso, ostentando na fronte a auréola da Cultura.
Não contente, entretanto, pediu ao Soberano da Vida:
Pai, anseio conhecer-vos a força... Como proceder para atingir semelhante graça?
O Todo-Bondoso afagou-lhe a alma inquieta e ordenou:
– Desce à Terra e dirige os teus irmãos.
O Homem nasceu e renasceu, muitas e muitas vezes, fazendo leis e gastando
fortunas, construindo fronteiras e levantando monumentos religiosos, plasmando a
beneficência e disciplinando as sociedades, brandindo armas e desfraldando
bandeiras, mandando e comandando, fascinado pelos poderes e pelos bens da Terra,
como se os bens e os poderes da Terra lhe pertencessem, e retornou ao Lar
Eterno, guardando nas mãos o cetro da Autoridade.
Não contente, todavia, suplicou ao Senhor Supremo :
– Pai, suspiro por aprender convosco a criar emoções sublimes... Como agir para
entender a vossa beleza augusta?
O Todo-Sábio contemplou-o, benevolente, e aconselhou :
– Desce à Terra e procura formar pensamentos iluminados e nobres para consolo e
progresso de teus irmãos.
O Homem nasceu e renasceu, muitas e muitas vezes, trabalhando a pedra e o metal,
a madeira e a argila, a palavra e o som, o pincel e a rima,
e retornou à Luz das Luzes, transportando nos olhos e nos ouvidos, na língua e
nos dedos a magia da Arte.
Contudo, não satisfeito ainda, rojou-se aos pés do Senhor e pediu em lágrimas :
– Meu Pai, tenha saudades de vosso convívio... Não quero apartar-me de vosso
olhar! Que fazer para demorar-me nos Céus?
O Todo-Misericordioso abraçou-o com ternura e ajuntou :
– Ah! meu filho, que pedes tu agora? Para, que te detenhas no Céu é necessário
desças à Terra e ajudes a teus irmãos.
E o Homem nasceu e renasceu, por longos e longos séculos, sofrendo, sem
reclamar, injúrias e ultrajes, lapidações e calúnias, miséria e abandono, chagas
e açoites, procurando auxiliar os outros sem cogitar do auxílio a si mesmo, até
que, um dia, terrìvelmente fatigado e sozinho, mas de co-ração alegre e
consciência tranqüila, retornou aos Eternos Tabernáculo.
Não precisou, no entanto, anunciar a sua presença, porque as Portas Celestiais
se lhe descerraram ditosas.
Flores inclinaram-se-lhe à passagem.
Constelações saudavam-no em regozijo.
Anjos cantavam, em surdina, celebrando-lhe o triunfo.
E o próprio Senhor, na carruagem resplendente de sua Glória, veio recebê-lo nos
Pórticos Sagrados, exclamando, de braços abertos:
Bem-aventurado sejas, filho meu!... Agora a Criação inteira é tua... Todos os
meus segredos te pertencem. E, estejas onde estiveres, viveremos juntos para
sempre.
Esmagado de júbilo, em riso e pranto, o Homem compreendeu, sem palavras, que a
felicidade do amor puro lhe fluía sublime dos refolhos do ser, em torrentes de
alegria misteriosa...
É que ele trazia, fulgente no coração, a Estrela Divina da Humildade.
Desde então, pôde habitar na Casa do Senhor por longos dias...
Irmão X