O Sábio e o Pássaro
Conta-se que certa feita um jovem maldoso e inconseqüente
resolveu pregar urna peça em idoso e experiente mestre, famoso por sua
sabedoria.
— Quero ver se esse velho é realmente sábio, como dizem — pensou — Vou esconder
um passarinho em minhas mãos. Depois, em presença de seus discípulos, vou
perguntar-lhe se está vivo ou morro. Se ele disser que está vivo, eu o esmagarei
e o apresentarei morro. Se ele falar que está morto eu abrirei a mão e o pássaro
voará.
Realmente, uma armadilha infalível, como só a maldade pode conceber.
Aos olhos de quem presenciasse o encontro, qualquer que fosse a sua resposta, o
sábio estaria incorrendo em erro.
E lá se foi o jovem mal-intencionado com sua armadilha perfeita.
Diante do ancião acompanhado dos aprendizes, fez a pergunta fatal:
— Mestre, este passarinho que tenho preso em minhas mãos, está vivo ou morro?
O sábio olhou bem fundo em seus olhos, como se examinasse os recônditos de sua
alma, e respondeu:
— Meu filho, o destino desse pássaro está em suas mãos.
Esta história pode ser sugestivo exemplo da maldade humana que não vacila em
esmagar inocentes para conseguir seus objetivos.
Será, também, uma demonstração das excelências da sabedoria, a sobrepor-se aos
ardis da desonestidade.
Mas é, sobretudo, uma ilustração perfeita sare o destino humano, tão mal
definido pelos religiosos em geral.
Consideram muitos que tudo acontece pela vontade de Deus, mesmo a doença, a
miséria, a ignorância, o infortúnio...
Essa é a mais flagrante injustiça que cometemos contra o Criador, o pai de
infinito amor e bondade revelado por Jesus.
A vida é dádiva divina, mas a qua1idade de vida será sempre fruto das ações
humanas.
Segundo os textos bíblicos, fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
Filhos de Deus, o que caracteriza nossa condição é o poder criador que
exercitamos como recurso dessa alavanca poderosa que se chama vontade.
Exercitando a vontade temos o poder de moldar nosso destino e de influenciar
sobre o destino daqueles que nos rodeiam.
Há os que não vacilam em esmagar a Vida para alcançar seus objetivos,
envolvendo-se com a ambição e a usura, a agressividade e a violência, a mentira
e a desonestidade, o vício e o crime.
E há os que libertam a Vida, estimulando-a a ganhar as alturas, mãos abertas
para a solidariedade.
Entre essas duas minorias, que se situam nos extremos, temos a maioria que não é
má, mas não assume compromisso com o Bem.
Por isso, o mal no Mundo está muito mais relacionado com a omissão silenciosa
dos que se acreditam bons, mas não desenvolvem nenhum esforço para evitar que os
maus façam barulho.
Isso está bem claro na questão 932, de “O Livro dos Espíritos”:
Por que, no Mundo, tão amiúde, a influência dos maus sobrepuja a dos bons?
Observe, leitor amigo, o alcance da resposta, uma das mais contundentes da
Codificação:
Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos.
Quando estes o quiserem, preponderarão.
Poderíamos acrescentar que a omissão dos bons favorece ainda que as pessoas se
envolvam com o mal, por que ninguém as ajuda, nem ampara, nem orienta, nem as
atende em suas carências e necessidades.
Algum progresso tem sido alcançado.
Fala-se muito, na atualidade, sobre cidadania.
Ser cidadão é estarmos conscientes de nossos direitos.
É lutarmos por eles, a partir dos elementares direitos à saúde, à educação, à
habitação e, sobretudo, o inalienável direito à vida.
É um passo importante.
Podemos melhorar as condições de vida de uma sociedade, trabalhando pelos
direitos humanos.
Mas há outro passo, bem mais importante:
É preciso assumir deveres, particularmente o dever fundamental de exercitar a
solidariedade, vivenciando a lição maior de Jesus: prestar ao semelhante todo
benefício que gostaríamos de receber dele se sofrêssemos suas carências.
A mão que liberta o homem da doença, da miséria, da ignorância, do infortúnio,
para que a Vida ganhe as alturas, deve ser a filosofia de trabalho de todo
Centro Espírita e, por extensão, de todos os espíritas.
A Doutrina Espírita deixa bem claro que não podemos nos omitir diante das
misérias humanas.
É preciso fazer algo pelo semelhante.
O destino de nossa sociedade é o somatório de nossas ações.
Não se faz uma sociedade boa se, a par do exercício de cidadania, não houver o
cultivo da solidariedade.
E aqueles que participam, que se dedicam a esse mister, logo fazem uma
descoberta maravilhosa.
No empenho de ajudar o próximo, libertam-se das inquietações e angústias que
afligem o homem comum, preso ao egoísmo.
Ajudando alguém a erguer-se de suas misérias, pairam acima das inquietações
humanas.
Contribuindo para clarear sendas alheias, iluminam o próprio caminho...
E influenciando para o bem o destino de seus irmãos, percebem, deslumbrados, que
encontraram sua gloriosa destinação.
Richard Simonetti