Avançando
Estando entre aqueles que desfrutaram a felicidade de
trabalhar, quando o terreno se obstruía de pedrouços e espinheirais sem conto,
volto a contemplar a construção da fé nova, rejubilando-se ante as realizações
que o Espiritismo está consolidando em benefício das criaturas.
Dantes, era a excessiva preocupação do fenômeno, indefinível tortura
intelectual, amontoando-se números e apontamentos em febril estatística; hoje,
porém, uma compreensão mais sadia desponta, luminosa e providencial.
Indiscutivelmente, é força reconhecer que muitos círculos iniciais do nosso
movimento, no Velho Mundo talado por guerras consecutivas, perderam de algum
modo a fulguração primitiva, cedendo lugar ao marasmo expectante; contudo, o
retrocesso aparente filia-se nas investigações ociosas e secas de inumeráveis
estudiosos que fatigam o cérebro sem despertar o coração. Nesses acanhados
redutos da inteligência, as críticas, descabidas convergiram sobre o esforço
nobilitante de alguns poucos e o desânimo coagulou temporariamente infinitas
reservas de energia.
A ciência, por si só, é como a terra preciosa sem a semente. De que nos valeria
o suor a empapar o chão lavrado, sem a possibilidade de produzir? A verdade tem
a balança da sabedoria para analisar os seres e as coisas, mas só o amor possui
a chave da vida.
Recordamo-nos, ainda, do tempo em que sob indisfarçável encantamento nos
enamorávamos dos médiuns, como se fossem ídolos do Céu milagrosamente animados
na Terra, pelo simples fato de verem criaturas desencarnadas que, no fundo, não
apresentavam evolução muito mais avançada que a nossa. E, com o ciúme dos
amantes apaixonados reuníamo-nos em cardume, em torno do infeliz instrumento
mediúnico, perturbando-lhe as peças preciosas ou trazendo-lhe muito cedo o
desalento e a inutilização.
Admitíamos falsamente que a obra missionária pertenceria exclusivamente ao homem
ou à mulher de virtudes psíquicas invulgares, esquecendo-nos de que, em muitos
casos, semelhantes dons traduzem provação e sacrifício, que nos importa amparar,
ao invés de explorar desapiedadamente.
Ainda existem muitos investigadores que não se compadecem com a realidade,
examinando os Espíritos conscientes e livres, através da organização medianímica,
como se observassem micróbios interessantes, por intermédio da lente dum
laboratório. Para esses, o redescobrimento do mundo invisível é simples motivo
para conceituosos pareceres, em que jamais atestam as verdades da Revelação;
continuam acravados no estreito mundículo onde se agitam, entre a presunção e o
temor, como autênticos exemplares do comodismo. Há, entretanto, cientistas
exemplares do comodismo. Há, entretanto, cientistas e estudiosos, que,
respeitáveis, descem à liça, abrindo brechas na velha Bastilha dos preconceitos,
auxiliando o anseio popular de renovação. Grande exército de trabalhadores de
boa-vontade marcha impávido e um novo entendimento se espalha, iluminando
consciências e corações, em todas as linhas de fé redentora que o Espiritismo
acende nas almas.
Pouco a pouco, as responsabilidades se descentralizam. Os médiuns já não se
afiguram pajés de tribo, senão que, nos quadros da fraternidade e da cooperação,
todos os consideram companheiros da boa luta, com difíceis obrigações a
desempenhar, dignos, portanto, do carinho e do acatamento geral.
O conceito da doutrina Consoladora, como serviço do indivíduo à coletividade,
vai-se ampliando para benefício desta; os antigos espectadores frios do fenômeno
se incorporam ao trabalho ativo, permanecendo no esforço edificante que as
bênçãos do alto e as necessidades do mundo nos conferem.
A obra de esclarecimento tem sido árdua. Combate incruento, no seio de todos os
povos, tem reclamado a abnegação de muitos.
Julgou-se a princípio que os mensageiros da Espiritualidade pretendessem
arrebatar o homem para o Céu, e vários servidores da primeira hora se
embriagaram na perspectiva de ingresso definitivo nos mundos felizes, com
absoluto esquecimento do trabalho que os retinha na carne. Esses companheiros
desprevenidos, de braços cruzados e cabeça inquieta, sondavam outros lares do
sistema e exigiam notícias da imensidade de Júpiter e de Saturno, inconformados
com o nosso domicílio singelo na Corte Solar.
Agora, porém, vamos compreendendo que os emissários do Cristo não nos exoneram
da responsabilidade, nem nos desatam os compromissos, e, longe de pretenderem
violentar a inteligência humana, constrangendo-a a demandar um Édem que ela não
pode entender por enquanto, buscam fortalece-la para que transforme a Terra em
Paraíso.
Os ideais sublimes que albergamos na alma são forças vivas, que tentam sua
própria materialização no plano em que residimos.
Uma grande fé representa uma grande luz.
Uma virtude firme é uma benção indiscutível.
Esclarece-nos, contudo, a experiência que a missão da luz é o socorrer as
trevas, e que o prover de conforto e esperança dos deserdados é ministério da
virtude.
Gradativamente estamos aprendendo, na tarefa de redenção e de aprendizado que
fazemos, todos juntos, que o Espiritismo é claridade no indivíduo, a expandir-se
deste para que as sombras da ignorância e do sofrimento sejam expulsas da Terra.
Fazer algo pelo bem na extinção do mal é obrigação de todos, no apostolado
comum.
Onde houver um raio de certeza na sobrevivência da alma, aí deve aparecer mais
justiça e mais alegria de ser útil.
A vida não cessa. O burilamento continua além da morte. E os objetivos últimos
do Universo, por enquanto, transcendem as nossas possibilidades de compreensão.
Baste-nos a certeza de que a Justiça está funcionando e de que, tanto agora
quanto depois, aqui como além, receberemos de acordo com as nossas obras.
Se o Espiritismo aboliu o Inferno de tormentos inextinguíveis, modificou
profundamente a paisagem do Céu.
Sabemos hoje que o homem é um anjo nascente e que séculos correrão sobre séculos
antes de finda a empresa de seu apuro.
Graças a Deus, estamos avançando.
Convertamos, assim, a contemplação em atividade benfeitora, a fé em serviço
ativo, e, como células harmoniosas do divino organismo do mundo, transitaremos
entre a existência e a morte, do berço ao túmulo e da espiritualidade ao
renascimento, como filhos conscientes da Eterna Sabedoria, crescendo, felizes,
para a vida imortal.
Luís Olímpio Teles de Menezes