Donde Vens
Nos dias graves das perseguições aos cristãos, conta uma velha
tradição que os discípulos e amigos de Pedro sugeriram-lhe que abandonasse Roma,
a fim de ter a vida poupada e melhor continuar como testemunha do Evangelho,
amigo pessoal que fora de Jesus.
A princípio, o velho pescador relutou contra a idéia. Todavia, acompanhando o
recrudescimento da impiedade de Nero contra os seguidores do Cristo e a
diminuição deles, achou que seria uma atitude de prudência a sua partida.
Despediu-se dos amigos e, na madrugada seguinte, procurou a estrada que o
levaria para longe da cidade.
Não se afastara muito, quando o Sol começou a romper a bruma, colorindo e
iluminando o dia.
Subitamente, caminhando em sentido contrário ao seu, o apóstolo divisou o Mestre
que se aproximava.
Surpreso, parou, ansiando pelo afetuoso abraço do Amigo que, parecendo não o
ver, seguiu adiante.
Não sopitando o desencanto, o companheiro angustiado voltou-se e
inquiriu:
- Para onde ides, Senhor?
A resposta foi imediata e significativa:
- Vou a Roma, Pedro, morrer com os meus discípulos.
Narra a bela tradição, que o apóstolo, comovido e consciente do sacrifício,
retornou à cidade, prosseguindo no ministério com devotamento total até à
imolação libertadora.
A fidelidade a um ideal exige o sacrifício do idealista.
Reconhece-se a excelência de um ideal pelas reações que provoca e pela
firmeza tranqüila de quem o apresenta.
A consciência da imortalidade arma o indivíduo com resistências para suportar e
vencer as vicissitudes, reagindo através da integral vivência dos postulados que
abraça.
Especificamente, o ideal cristão se expressa através dos valores nobres que
exornam quem o vivencia.
Vive no mundo, mas não pertence ao mundo.
Usa os recursos do mundo, sem a eles escravizar-se.
Sofre os impositivos da evolução, não afligindo a ninguém.
Compreende os erros do próximo, no entanto, esmera-se para refletir a
conduta mais correta.
Resgata débitos, evitando tombar em novas dívidas.
Quando insultado, desculpa; se agredido, perdoa; sob perseguição permanece com
integridade.
Não se despersonaliza, identificando-se como alguém que teme e se submete a
tudo.
Pelo contrário, é um homem definido, resistente, que sabe o que quer e como
consegui-lo, programando-se para o tentame feliz.
Ante a incoerência de atitude e a debandada do dever a que se entregam
muitos discípulos modernos do Evangelho, permanece tu, doando-te e confiando.
Fazendo-se necessários maiores sacrifícios, doa-te mais e mais confia, de modo
que, num certo amanhecer da tua vida, possas encontrar o Mestre, que te
indagará.
- Donde vens, meu filho?
E possas responder, em júbilo:
- Do mundo, Senhor, onde dei a vida com os Teus discípulos por amor de Ti.
Joanna de Ângelis