O Encontro de Saulo (Paulo de Tarso) com Abigail

... Abigail, por sua vez, apertava-lhe as mãos com imensa ternura. O ex-rabino desejaria prolongar a deliciosa visão para o resto da vida, manter-se junto dela para sempre; contudo, a entidade querida esboçava um gesto de amoroso adeus. Esforçou-se, então, por catalogar apressadamente suas necessidades espirituais, desejoso de ouvi-la relativamente aos problemas que o defrontavam. Ansioso de aproveitar as mínimas parcelas daquele glorioso, fugaz minuto, Saulo alinhava mentalmente grande número de perguntas. Que fazer para adquirir a compreensão perfeita dos desígnios do Cristo?
- Ama! - respondeu Abigail espontaneamente.
Mas, como proceder de modo a enriquecermos na virtude divina? Jesus aconcelha o amor aos próprios inimigos. Entretanto, considerava quão dificil devia ser semelhante realização. Penoso testemunhar dedicação, sem o real entendimento dos outros. Como fazer para que a alma alcançasse tão elevada expressão de esforço com Jesus-Cristo?
- Trabalha! - esclareceu a noiva amada, sorrindo bondosamente.
Abigail tinha razão. Era necessário realizar a obra de aperfeiçoamento interior. Desejava ardentemente fazê-lo. Para isso insulara-se no deserto, por mais de mil dias consecutivos. Todavia, voltando ao ambiente do esforço coletivo, em cooperação com antigos companheiros, acalentava sadias esperanças que se converteram em dolorosas perplexidades. Que providências adotar contra o desânimo destruidor?
- Espera! - disse ela ainda, num gesto de terna solicitude, como quem desejava esclarecer que a alma deve estar pronta a atender ao programa divino, em qualquer circunstância, extreme de caprichos pessoais.
Ouvindo-a, Saulo considerou que a esperança fora sempre companheira dos seus dias mais ásperos. Sabia aguardar o porvir com as bençãos do altíssimo. Confiaria na sua misericórdia. Não desdenharia as oportunidades do serviço redentor. Mas ... os homens? Em toda parte medrava a confusão dos espíritos. Reconhecia que, de fato, a concordância geral em torno dos ensinamentos do Mestre Divino representava uma das realizações mais difíceis, no desdobramento do Evangelho; mas, além disso, as criaturas pareciam igualmente desinteressadas da verdade e da luz. Os israelitas agarravam-se à Lei de Moisés, intensificando o regime das hipocrisias farisaicas; os seguidores do "Caminho" aproximavam-se novamente nas sinagogas, fugiam dos gentios, submetiam-se, rigorosamente, aos processos da circuncisão. Onde a liberdade do Cristo? Onde as vastas esperanças que o seu amor trouxera à humanidade inteira, sem exclusão dos filhos de outras raças? Concordava que se fazia indispensável amar, trabalhar, esperar; entretanto, como agir no âmbito de forças tão heterogêneas? como conciliar as grandiosas lições do Evangelho com a indiferença dos homens?
Abigail apertou-lhe as mãos com mais ternura, a indicar as despedidas, e acentou docemente:
- Perdoa!...
Em seguida, seu vulto luminoso pareceu diluir-se como se fosse feito de fragmentos de aurora. ...


Emmanuel