Os Adversários do Espiritismo
Pedis que continue com os meus conselhos. Eu os dou com muito
gosto aos que crêem necessitar deles e os reclamam. Mas só a esses. Aos que
julgam muito saber e sentem-se dispensados das lições da experiência, nada
direi; apenas desejo que um dia não se lamentem por haverem sobreestimado as
próprias forças. Tal pretensão, aliás, acusa um sentimento de orgulho, contrário
ao verdadeiro espírito do Espiritismo. (...)
No ponto em que hoje as coisas se acham, e levando-se em conta a marcha do
Espiritismo através dos obstáculos semeados em seu caminho, pode-se dizer que as
principais dificuldades estão vencidas. Ele tomou o seu lugar e assentou-se em
bases que doravante desafiam os esforços de seus adversários. Pergunta-se como
pode ter adversários uma doutrina que nos torna felizes e melhores. Isto é muito
natural. Nos seus primórdios, o estabelecimento das melhores coisas sempre fere
interesses.(...) Como queríeis que uma doutrina, que conduz ao reino da caridade
efetiva, não fosse combatida pelos que vivem do egoísmo? E sabeis o quanto são
estes numerosos na Terra. No princípio esperavam matá-lo pela zombaria; hoje
vêem que tal arma é impotente e, sob o fogo cerrado dos sarcasmos, ele continuou
sua rota sem se deter. Não penseis que se confessarão vencidos. Não; o interesse
material é mais tenaz. Reconhecendo que é uma potência, com a qual agora é
preciso contar, vão desferir ataques mais sérios, mas que só servirão para
melhor provar a fraqueza deles. Uns o atacarão abertamente, em palavras e em
ações, e o perseguirão até na pessoa de seus aderentes, tentando desencorajá-los
a força de intrigas, enquanto outros, subrepticiamente, por vias indiretas,
procurarão miná-lo secretamente.
Ficai avisados de que a luta não terminou. Estou prevenido de que tentarão um
supremo esforço;mas não temais: a garantia do sucesso está nesta divisa, que é a
de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade não há salvação. Empunhai-a
bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.
A tática já posta em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser
empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes
e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na
armadilha e tende como certo que aquele que procura, seja por que meio for,
romper a boa harmonia, não pode estar animado de boas intenções. Eis porque vos
exorto a guardar a maior prudência na formação dos vossos grupos, não só para a
vossa tranqüilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos.
A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, não há
recolhimento possível se somos distraídos pelas discussões e pela expressão de
sentimentos malévolos. Se houver fraternidade não haverá sentimentos de
malquerença; mas não pode haver fraternidade com egoístas, com ambiciosos e
orgulhosos. Com orgulhosos, que se escandalizam e se melindram por tudo; com
ambiciosos, que se decepcionam quando não têm a supremacia, e com egoístas que
só pensam em si mesmos, a cizânia não tardará a ser introduzida e, com ela, a
dissolução. É o que gostariam os inimigos e é o que tentarão fazer.(...)
Devo ainda vos chamar a atenção para outra tática de nossos adversários: a de
procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro
objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de
sua competência e que poderiam, com toda a razão, despertar susceptibilidades e
desconfianças. Também não vos deixeis cair nessa armadilha; afastai
cuidadosamente de vossas reuniões tudo quanto disser respeito à política e às
questões irritantes; nesse caso, as discussões não levarão a nada e apenas
suscitarão embaraços, enquanto ninguém questionará a moral, quando ela for boa.
Procurai, no Espiritismo, aquilo que vos pode melhorar; eis o essencial.(...) No
próprio interesse do Espiritismo, que ainda é jovem, mas que amadurece depressa,
deveis opor uma firmeza inabalável aos que buscarem vos arrastar por um caminho
perigoso.
Texto extraído da Resposta de Allan Kardec à mensagem de Ano Novo dos espíritas
lioneses, inserido na Revista Espírita de fev/1862.
Allan Kardec