Os Bons Espíritas
O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem sentido,
conduz, forçosamente à prática da lei da justiça, de amor e caridade, na sua
maior pureza, que caracterizam o verdadeiro espírita, como o verdadeiro cristão,
pois um e outro são a mesma coisa. O Espiritismo não cria uma nova moral, mas
facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, ao dar uma fé
sólida e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.
Muitos, porém, dos que crêem na realidade das manifestações, não compreendem as
suas conseqüências nem o seu alcance moral, ou se os compreendem, não os aplicam
a si mesmos. Por que acontece isso? Será por uma falta de precisão da doutrina?
Não, por que ela não contém alegorias, nem figuras que possam dar lugar a falsas
interpretações. A clareza é a sua própria essência, e é isso que lhe dá força,
para que atinja diretamente a inteligência.
Seria necessária, então, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum?
Não, pois vêem-se homens de notória capacidade, que não a compreendem, enquanto
inteligências vulgares, apreendem com admirável justeza as suas mais delicadas
nuanças. Isso acontece porque a parte, de qualquer maneira, material, da
ciência, não requer mais do que os olhos para ser observada, enquanto a parte
essencial exige um certo grau de sensibilidade, que podemos chamar de maturidade
do senso moral, maturidade essa independente da idade e do grau de instrução,
porque é inerente ao desenvolvimento, num sentido especial, do espírito
encarnado.
Em algumas pessoas, os laços materiais são ainda muito fortes, para que o
espírito se desprenda das coisas terrenas. O nevoeiro que as envolve impede-lhes
a visão do infinito. Eis porque não conseguem romper facilmente com os seus
gostos e os seus hábitos, não compreendendo que possa haver nada melhor do que
aquilo que possuem.
A crença nos Espíritos é para elas um simples fato, que não modifica pouco ou
nada as suas tendências instintivas.
Numa palavra, não vêem mais do que um raio de luz, insuficiente para orientá-las
e dar-lhes uma aspiração profunda, capaz de modificar-lhes as tendências.
Apegam-se mais aos fenômenos do que à moral, que lhes parece banal e monótona.
Pedem aos Espíritos que incessantemente as iniciem em novos mistérios, sem
indagarem se tornaram dignas de penetrar os segredos do Criador.
São, afinal, os espíritas imperfeitos, alguns dos quais estacionam no caminho ou
se distanciam dos seus irmãos de crença, porque recuam ante a obrigação de se
reformarem, ou porque preferem a companhia dos que participam das suas fraquezas
ou das suas prevenções.
Não obstante, a simples aceitação da doutrina em princípio é um primeiro passo,
que lhes facilitará o segundo, numa outra existência.
Aquele que podemos, com razão, qualificar de verdadeiro e sincero espírita,
encontra-se num grau superior de adiantamento moral.
O Espírito já domina mais completamente a matéria e lhe dá uma percepção mais
clara do futuro; os princípios da doutrina fazem vibrar-lhe as fibras, que nos
outros permanecem mudas; numa palavra: foi tocado no coração, e por isso a sua
fé é inabalável. Um, é como o músico que se comove com os acordes; o outro,
apenas ouve os sons.
Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral, e pelos
esforços que faz para dominar suas más inclinações.
Enquanto um se compraz no seu horizonte limitado, o outro, que compreende a
existência de alguma coisa melhor, esforça-se para se libertar, e sempre o
consegue, quando dispõe de uma vontade firme.
Allan Kardec