Oração de Natal
Senhor Jesus.
Há quase dois milênios, estabelecias o Natal com tua doce humildade na
manjedoura, onde te festejaram todas as harmonias da Natureza.
Reis e pastores vieram de longe, trazendo-te ao berço pobre o testemunho de sua
alegria e de seu reconhecimento.
As estrelas brilharam com luz mais intensa nos fulgores do céu e uma delas
destacou-se no azul do firmamento, para clarificar o suave momento de tua
glória.
Desde então, Senhor, o mundo inteiro, pelos séculos afora, cultivou a lembrança
da tua grande noite, extraordinária de luz e de belezas diversas.
Agora, porém, as recordações do Natal são muito diferentes.
Não se ouvem mais os cânticos dos pastores, nem se percebem os aromas agrestes
da Natureza.
Um presepe do século XX seria certamente arranjado com eletricidade, sobre uma
base de bombas e de metralhadoras, onde aquela legenda suave do "Gloria in
excelsis Deo" seria substituída por um apelo revolucionário dos extremismos
políticos da atualidade.
As comemorações já não são as mesmas.
Os locutores de rádio falarão da tua humildade, no cume dos arranha-céus, e,
depois de um programa armamentista, estranharão, para os seus ouvintes, que a
tua voz pudesse abençoar os pacíficos, prometendo- lhes um lugar de
bem-aventurados, embora haja isso ocorrido há dois mil anos.
Numerosos escritores falarão, em suas crônicas elegantes, sobre as crianças
abandonadas, estampando nos diários um conto triste, onde se exalte a célebre
virtude cristã da caridade; mas, daí a momentos, fecharão a porta dos seus
palacetes ao primeiro pobrezinho.
Contudo, Senhor, entre os superficialismos desta época de profundas transições,
almas existem que te esperam e te amam.
Tua palavra sincera e branda, doce e enérgica, lhes magnetiza os corações, na
caprichosa e interminável esteira do Tempo.
Elas andam ocultas nas planícies da indiferença e nas montanhas de iniqüidade
deste mundo.
Conservam, porém, consigo a mesma esperança na tua inesgotável misericórdia.
É com elas e por elas que, sob as tuas vistas amoráveis, trabalham os que já
partiram para o mundo das suaves revelações da Morte.
É com a fé admirável de seus corações que semeamos, de novo, as tuas promessas
imortais, entre os escombros de uma civilização que está agonizando, à mingua de
amor.
É por essa razão que, sem nos esquecermos dos pequeninos que agrupavas em
derredor da tua bondade, nos recordamos hoje, em nossa oração, das crianças
grandes, que são os povos deste século de pomposas ruínas.
Tu, que és o Príncipe de todas as nações e a base sagrada de todos os surtos
evolutivos da vida planetária; que és a Misericórdia infinita, rasgando todas as
fronteiras edificadas no mundo pelas misérias humanas, reúne a tua família
espiritual, sob as algemas da fraternidade e do bem que nos ensinaste!...
Em todos os recantos do orbe, há bocas que maldizem e mãos que exterminam os
seus semelhantes.
Os espíritos das trevas fazem chover o fogo de suas forças apocalípticas sobre
as organizações terrestres, ateando o sinistro incêndio das ambições na alma de
multidões alucinadas e desvalidas.
Por toda parte, assomam os falsos ídolos da impenitência do mundo e místicas
políticas, saturadas do vírus das mais nefastas paixões, entornam sobre os
espíritos o vinho ignominioso da Morte.
Mas, nós sabemos, Senhor, como são falazes e enganadoras as doutrinas que se
afastam da seiva sagrada e eterna dos teus ensinos, porque dissipas
misericordiosamente a confusão de todas as almas, ainda que os seus
arrebatamentos se apoiem nas paixões mais generosas.
Tu, que andavas descalço pelos caminhos agrestes da Galiléia, faze florescer, de
novo, sobre a Terra, o encanto suave da simplicidade no trabalho, trazendo ao
mundo a luz cariciosa de tua oficina de Nazaré!...
Tu, que és a Essência de nossos pensamentos de verdade e de luz, sabes que todas
as dores são irmãs umas das outras, bem como as esperanças que desabrocham nos
corações dos teus frágeis tutelados, que vibram nos mesmos ideais, aquém ou além
das linhas arbitrárias que os homens intitularam de fronteiras! Todas as
expressões da filosofia e da ciência dos séculos terrenos passaram sobre o
mundo, enchendo as almas de amargosas desilusões.
Numerosos políticos te ridiculizaram, desdenhando as tuas lições inesquecíveis;
mas, nós sabemos que existe uma verdade que dissimulaste aos inteligentes para a
revelares às criancinhas, encontrada, aliás, por todos os homens, filhos de
todas as raças, sem distinção de crenças ou de pátrias, de tradições ou de
família, que pratiquem, a caridade em teu nome...
Pastor do rebanho de ovelhas tresmalhadas, desde o primeiro dia em que o sopro
divino da vontade do Nosso Pai fez brotar a erva tenra, no imenso campo da
existência terrestre, pairas acima do movimento 31 vertiginoso dos séculos,
acima de todos os povos e de suas transmigrações incessantes, no curso do tempo,
ensinando as criaturas humanas a considerar o nada de suas inquietações, em face
do dia glorioso e infinito da Eternidade!...
Agora, Senhor, que as línguas da impiedade conclamam as nações para um novo
extermínio, manifesta atua bondade, ainda uma vez, aos homens infelizes, para
que compreendam, a tempo, a extensão do seu ódio e de sua perversidade.
Afasta o dragão da guerra de sobre o coração dilacerado das mães e das crianças
de todos os países, curando as chagas dos que sangram de dor selvagem à beira
dos caminhos.
Revela aos homens que não há outra força além da tua e que nenhuma proteção pode
existir, além daquela que se constitui da segurança de tua guarda! Ensino aos
sacerdotes de todas as crenças do globo, que falam em teu nome, o desprendimento
e a renúncia dos bens efêmeros da vida material, afim de que entendam as
virtudes do teu Reino, que ainda não reside nas suntuosas organizações dos
Estados deste mundo!
Tu, que ressuscitaste Lázaro das sombras do sepulcro, revigora o homem modesto,
no túmulo das vaidades apodrecidas!
Tu, que fizeste com que os cegos vissem, que os mudos falassem, abre de novo os
olhos rebeldes de tuas ovelhas ingratas e desenrola as línguas da verdade e do
direito, que o medo paralisou, nesta hora torva de penosos testemunhos! Senhor,
desencarnados e encarnados, trabalhamos no esforço abençoado de nossa própria
regeneração, para o teu serviço divino! Nestas lembranças do Natal, recordamos a
tua figura simples e suave, quando ias pelas aldeias que bordavam o espelho
claro das águas do Tiberíades!...
Queremos o teu amparo, Senhor, porque agora o lago de Genesaré é a corrente
represada de nossas próprias lágrimas.
Pensamos ainda ver-te, quando vinhas de Cesaréia de Felipe para abençoar o
sorriso doce das criancinhas...
De teus olhos misericordiosos e compassivos, corria uma fonte perene de
esperanças divinas para todos os corações; de tua túnica humilde e clara, vinha
o símbolo da paz para todos os homens do porvir e, de tuas palavras
sacrossantas, vinha a luz do céu, que confunde todas as mentiras da Terra!...
Senhor, estamos reunidos em teu Natal e suplicamos a tua bênção!...
Somos as tuas crianças, dentro da nossa ignorância e da nossa indigência!...
Apiada-te de nós e dize-nos ainda:
- "Meus filhinhos..."
Humberto de Campos