Como Tratar Médiuns
Você pergunta a mim, Espírito desencarnado, qual a maneira
adequada de tratar os médiuns. Alega que muitos passaram por seu clima
individual, sem que pudesse compreendê-los. Começam a tarefa, entusiásticos, e,
lestos, abandonam a sementeira. Alguns sustentam o serviço por algum tempo;
outros, contudo, não vão além de alguns meses. Muitos se afastam, discretos,
recuando deliberadamente, ao passo que outros tantos resvalam, monte abaixo,
atraídos por fantasias tentadoras.
Afirmando seu amor à doutrina que nos irmana agora, você indaga com franqueza:
como tratar essa gente, para que o Espiritismo não sofra hiatos nas
demonstrações da sobrevivência?
Não tenho pretensões a ensaísta de boas maneiras. Malcriado quanto tenho sido,
falece-me recurso para escrever códigos de civilidade, mesmo no "outro mundo".
Creio, todavia, que o médium deve receber tratamento análogo ao que
proporcionamos a qualquer ser humano normal.
Trata-se de personalidade encarnada, com obrigações de render culto diário à
refeição, ao banho e ao sono comum. Deve atender à vida em família, trabalhar e
repousar, respeitar e ser respeitado. Não guardará o talento mediúnico, à
maneira de enxada de luxo que a ferrugem carcome sempre, mas evitará a
movimentação intempestiva de suas faculdades, tanto quanto o ferreiro preserva a
bigorna. Cooperará, com satisfação, no esclarecimento dos problemas da vida,
junto aos estudiosos sinceros; todavia, não entregará seus recursos psíquicos à
curiosidade malsã dos investigadores sem consciência, detentores de leviandade
incurável, a pretexto de colaborar com os cientistas do clube dançante, que
vazam comentários acadêmicos, entre um sorriso de mulher bela e uma dose de
aguardente rotulada de uísque.
Esta é uma definição sintética que me cumpre fornecer, de passagem; entretanto,
já que você se refere ao amor que assegura consagrar ao Espiritismo edificante,
conviria sondar a própria consciência.
Realmente, são inúmeros os companheiros que se precipitam da tarefa mediúnica ao
resvaladouro do desencanto e do sofrimento, como andorinhas de vôo alto,
atiradas, semimortas, do firmamento ao bojo escuro do abismo. Vemos, no entanto,
que se os pássaros, algumas vezes, descem ao círculo tenebroso, sob o fascínio
de perigosa ilusão, na maioria dos casos caem mutilados sob golpes de caçadores
inconscientes.
Doloroso é dizer; contudo, quase todos os médiuns são anulados pelos próprios
amigos, sem maior consideração...
O plano superior traça o programa de trabalho, benéfico e renovador. O
funcionário da instrumentalidade concorda com os seus itens e dispõe-se a
executá-lo, mas, escancarada a porta do serviço, a chusma de ociosos
adensa-se-lhe em torno.
Esqueçamos a fileira compacta dos investigadores e curiosos que transformam em
cobaia o primeiro doente psíquico que lhe cai sob as unhas. As reclamações
insaciáveis dos próprios irmãos de ideal são mais venenosas. Identificando-as,
somos forçados a reconhecer que os espiritistas modernos têm muito de aprender
acerca do equilíbrio próprio, antes que o primeiro médium com tarefa definida
possa cumprir integralmente sua missão.
O intermediário entre os dois planos move-se com extrema dificuldade para
entregar às criaturas terrestres a mensagem de que é portador. Se os adversários
gratuitos recebem-no a pedradas de ironia, os afeiçoados principiam por
erigir-lhe pedestal envolto em grossas nuvens de incenso pernicioso. O servidor
inicia o ministério, quase sempre às tontas, embriagado pelo aroma ardiloso do
elogio desregrado. Dentro em pouco tempo, não sabe como situar-se. Os adeptos e
simpatizantes da causa se incumbem de convertê-lo em permanente motivo de
espetáculo. Quando o exibicionismo não se prende à tentação de convencer os
vizinhos, fundamenta-se em supostas razões de caridade.
Intensifica-se a luta entre a esfera superior, que deseja beneficiar o caminho
coletivo com a projeção da nova luz sobre a noite dos homens, e a arena
terrestre, onde os homens cuidam de manter, com desespero, os seus interesses
imediatos na carne. O responsável direto, pela ação mediúnica raramente segue
marcha regular. Se permanece no serviço do ganha-pão digno, os companheiros se
encarregam de perturbá-lo, chamando-o insistentemente para fora do reduto
respeitável em que procura ganhar a vida com a nobreza e honestidade.
Se mostra alguma instabilidade na realização, improvisam-se tribunais
acusadores, ao redor dele; mas se revela perseverança no bem, surge, com mais
ímpeto, o assédio de elementos arrasadores, ansiosos por derrubá-lo. Se
permanece no posto, é obrigado a respirar solidão quase absoluta, de vez que as
exigências do serviço se multiplicam, por parte dos companheiros de fé, enquanto
seus domésticos e afins, em regra geral, dele se afastam, cautelosamente, por
não haverem nascido com a vocação da renúncia. Passa a viver, compulsoriamente,
as existências alheias, inibido de caminhar na própria rota.
É compelido a ingerir, com o almoço, fluidos de desesperação e inquietude de
pessoas revoltadas e intemperantes que o buscam, ostentando o título de
sofredores. Debalde namora o banheiro com saudade de água salutar na pele
suarenta, porque os legítimos e falsos necessitados da própria confraria lhe
absorvem as horas, reclamando atenção individual. Trabalha no setor cotidiano de
ação, sob preocupações e expectativas infindáveis da guerra nervosa. É quando
consegue a estação de pouso noturno, alcança o leito de corpo esfalfado e a
resistência em frangalhos.
Se o vanguardeiro não retrocede, fustigado pelos demônios da imprudência e da
insensatez e se não se faz presa de entidades maliciosas que o conduzem ao palco
da "triste figura", cabe-lhe o destino da válvula gasta prematuramente.
Liga-se o aparelho radiofônico, entretanto, a mensagem chega rouquenha ou não
pode enunciar-se. A máquina delicada estala e chia inultimente. A eletricidade e
a revelação sonora continuam existindo, mas o aparelho complicou-se, não pela
lei do uso e, sim, pelos golpes do abuso.
Compreende, acaso, o que estou comentando?
A força espiritual e a contribuição renovadora dos missionários da sabedoria
vibrarão junto de vocês, todavia, como se exprimirem convenientemente se os
interessados perseguem os aparelhos registradores e os inutilizam, através da
exaustão e do vampirismo, portadores da enfermidade e da morte?
Como somos forçados a reconhecer, meu caro, é tão difícil encontrar médiuns
aptos a lidarem com os espiritistas do primeiro século de codificação
kardeciana, como é raro encontrar espiritistas que saibam lidar com eles...
Irmão X