Ver, Ouvir e ... Corrigir-se
Disse Allan Kardec que “a misericórdia de Deus é infinita, mas
não é cega”. Enorme e profunda significação tem essa pequena frase do
Codificador. Deve ela exigir demorada reflexão, para que se possa recolher a
gama de valiosíssimos ensinamentos ali contidos. A misericórdia não exclui a
responsabilidade, nem o perdão isenta o culpado do cumprimento da Lei Divina. É
um perdão condicionado, uma espécie de sursis, que adverte o beneficiado de que
o mal que praticou terá de ser ressarcido, para que se desfaçam os efeitos
perniciosos que dele derivaram. É um perdão pronto a concretizar-se, desde que
haja do faltoso empenho real em se recuperar. Se, beneficiado, persistir no
erro, reincidir na falta, sua responsabilidade é aumentada.
Emmanuel considerou que “todas as contas a resgatar pedem relação direta entre
credores e devedores”. O perdão pode também significar uma oportunidade para que
o decaído se erga, disposto ao esforço regenerativo. O essencial é que
aprendamos esta verdade: ninguém progride sem ninguém, que vale pelas palavras
do luminoso Espírito acima citado: “Ninguém progride sem alguém.” Na vida, somos
todos solidários. Ninguém se basta a si mesmo, pois é necessário que encontremos
quem partilhe da nossa caminhada, para que possamos avaliar o grau do
procedimento que temos, não nos deixando influenciar pela vaidade, pela inveja,
pela presunção de superioridade, pelo orgulho, etc... Tendo alguém conosco,
melhor poderemos exercer a vigilância sobre nós mesmos, comparando o que fazemos
com o que outros fazem, de maneira a julgarmos se estamos indo certos ou se,
pelo contrário, estamos agravando a nossa situação moral. É verdade que isso
costuma também ocorrer sem que nos apercebamos. Eis por que Emmanuel disse que
“ninguém progride sem alguém”, reconhecendo, porém, que, “em toda parte, o
verdadeiro campo de luta somos nós mesmos.
A Lei Divina, atenta, acompanha todos os nossos pensamentos, todos os nossos
passos, pois “não é cega”. E se, perdoados, supomos que podemos reverter ao
abuso, então será bem mais grave a responsabilidade contraída. Sofremos porque
insistimos no desrespeito à Lei de Deus. A dor é o chicote que nos encaminha
para a purificação moral e espiritual. É qual enérgico pastor, que procura
evitar tresmalhemos e abandonemos o aprisco. Pode ser considerada, em
determinadas circunstâncias, um sinal de alarme, para que, prevenidos, evitemos
recair no erro. Muita gente, entretanto, considera a dor apenas como um fenômeno
físico, quando, na realidade, ela tem uma função altamente regeneradora. Assim
como a febre, para o médico, é um aviso de que há algo de irregular que altera o
estado normal do individuo, a dor, para o entendimento do espírita, é, em grande
número de casos, um chamado à reflexão, uma advertência para que, meditando,
busquemos reexaminar a nossa vida até encontrarmos onde falhamos e como
falhamos. Não há efeito sem causa, já se costuma dizer.
Para melhor se romper o nevoeiro que nos circunda na Terra, a melhor providência
é a humildade. Não a humildade premeditada, oca, aparente, que pode iludir os
homens, mas não engana a Deus. É preciso, contudo, que se limpe essa palavra de
definições falsas. Ser humilde, do ponto de vista espírita, é ser simples, bom,
prestativo, tolerante, mas precavido. É guardar o ânimo sereno, quando se veja
envolvido em tribulações e mal-entendidos. O humilde não se arrasta servilmente
no chão, não bajula, não se degrada. Veja-se o comportamento de Jesus em todas
as passagens de sua curta peregrinação na Terra. Ele deve ser para nós o modelo
da humildade. O verdadeiro humilde não se despoja da sua dignidade, mas também
não confunde dignidade com orgulho. É paciente diante dos arrogantes, sereno
diante dos impacientes, indulgente diante dos faltosos, sem, contudo, permitir
que os seus sentimentos possam contribuir, malgrado seu, para agravar a situação
daqueles que lhe cruzam o caminho.
Entretanto, o fundamental, o mais importante, por ser essencial, é que não
tenhamos a pretensão de ser modelo para ninguém. “No estudo da perfeição,
comecemos por vigiar a nós mesmos, corrigindo-nos em tudo aquilo que nos
desagrada nos semelhantes.”
Vinélius di Marco