O Pacificador Urbano

“Deixo-vos a paz. A minha paz vos dou: não vo-la dou como mundo a dá”. Jesus (Jo, 14:27)

Conta-nos Daniel Goleman :
“Era verão em Nova Iorque e, naquela tarde, fazia um calor sufocante, insuportável. As pessoas andavam pelas ruas mal-humoradas, em visível desconforto. Na Avenida Madison, peguei um ônibus para voltar para o hotel. Ao entrar, fui surpreendido com a saudação que veio do motorista: “Oi, como vai?” Esse negro de meia idade e largo sorriso repetiu a mesma saudação a todos os outros passageiros que foram entrando ao longo do percurso no denso tráfego do centro da cidade. Todos, como eu, se surpreendiam, mas, porque estavam com o humor comprometido pelas condições climáticas do dia, poucos retribuíram o cumprimento.
À medida que o ônibus se arrastava pelo traçado quadriculado do centro da cidade, porém, uma transformação mágica foi gradativamente ocorrendo. Para nosso deleite, o motorista encetou um animado comentário sobre o cenário à nossa volta: havia uma liquidação sensacional naquela loja, uma exposição maravilhosa naquele museu, já souberam do novo filme que acabou de estrear ali na esquina? O prazer dele com a riqueza de possibilidades que a cidade oferecia contagiou a todos. Ao descerem do ônibus, as pessoas já haviam se despido da couraça de mau humor com que tinham entrado e, quando o motorista lhes dirigiu o sonoro “Até logo, tenha um ótimo dia!”, todas lhes deram uma resposta sorridente”.
Surpreendidos, também, por tão singular episódio (para os dias de hoje), concluímos que o motorista daquele ônibus agiu como um verdadeiro pacificador de almas, propagando o “vírus” do bem-estar entre todos os passageiros, que por sua vez teriam a possibilidade de também espalhá-lo pela cidade.
Refletindo sobre o caso, nos perguntamos: Quantas vezes entramos e permanecemos com um terrível mau-humor dentro de um transporte coletivo (e mesmo em outros lugares)? Os motivos são vários:
a.Justamente aquele que você espera é o que mais demora a chegar;
b.E quando chega vem, invariavelmente, lotado;
c.E isto significa que você vai em pé;
d.E estando em pé, sempre existe alguém que esbarra em você, pisa no seu calcanhar, etc;
e.O trânsito engarrafado faz a viagem ser mais longa;
f.O calor insuportável parece que aumenta nesta hora;
g.E todos os problemas que trazemos em nosso íntimo vêm à nossa mente... e daí a pouco passamos a ficar mais irritados do que antes.
O mau-humor, a ansiedade, a irritação, nestes e em outros momentos de nossa vida, são adversários quase incontroláveis. Este descontrole das emoções, responde por inúmeros dissabores. Quase sempre estamos em conflito com os outros e com nós mesmos:
O conflito no lar.
O conflito no trabalho.
O conflito na via pública.
O conflito com os vizinhos.
O conflito no templo religioso.
Conflitos estes que, em grandes proporções, acabam gerando o conflito dos conflitos: a guerra!
Não sem outro motivo alerta o apóstolo Paulo: “Vivei em paz uns com os outros”.
E o espírito Emmanuel, comentando esta passagem, afirma :
“Todos agimos uns sobre os outros e, ainda que a nossa influência pessoal se nos figure insignificante, ela não é menos viva na preservação da harmonia geral”.
E perguntamos: Não foi o que fez o nosso pacificador urbano citado por Goleman?
Ele teria todos os motivos para igualmente estar de mau-humor:
a.O calor insuportável;
b.O trânsito barulhento;
c.A impaciência e a agressividade dos outros;
d.O cansaço e o desgaste natural de um dia de trabalho...
E apesar de tudo, estava pacificado e pacificou a todos.
E nós ? Podemos ser também pacificadores ?
No mesmo capítulo citado, anteriormente, prossegue Emmanuel:
“Todos somos chamados à edificação da paz que, aliás, prescinde de qualquer impulso vinculado às atividades da guerra e que, paradoxalmente, depende de nossa luta por melhorar-nos e educar-nos, de vez que a paz não é inércia e sim esforço, devotamento, trabalho e vigilância incessante a serviço do bem. Nenhum de nós está dispensado de auxiliar-lhe a defesa e a sustentação, porquanto, muitas vezes, a tranqüilidade coletiva jaz suspensa de um minuto de tolerância, de um gesto, de uma frase, de um olhar...”.
E poderíamos prosseguir listando pequenas grandes tarefas que contribuiriam para a nossa paz e a do próximo:
a.Prestar uma informação sempre com gentileza na voz, como se fosse a uma pessoa muita querida;
b.Cumprimentar alguém sem esperar retribuição, mesmo que não o conheçamos;
c.Sorrir a um companheiro de trabalho aliviando seu cansaço;
d.Ceder o lugar nos transportes coletivos com a alegria de quem está ajudando;
e.Dizer ao menos uma vez por dia: “Vá com Deus!”;
f.Quando em coletividade nunca esquecer palavras simples como: “Bom dia”, “Com licença”, “Muito obrigado”, “Desculpe-me”, “Por favor”.
Agindo dessa forma, estaremos edificando para nós e para os outros um espaço permanente de paz pela atitude no bem, o que será de extrema utilidade para nosso futuro espiritual.
Buscamos na codificação um exemplo prático de como a inércia (oposição ao trabalho), nos priva da paz interna e externa. No livro “O Céu e o Inferno”, de Allan Kardec , um Espírito (Angéle) se apresenta espontaneamente ao médium e começa o diálogo, que faremos de forma resumida:
1.Pergunta (P) – Arrependei-vos das vossas faltas? – Resposta (R) – Não. (...) P. Acaso não sois feliz? – R. Não. P. Que vos falta? – R. A Paz.
2.P. Como pode faltar-vos a paz na vida espiritual? – R. Uma mágoa do passado. (...) P. O que fizeste na última encarnação? – R. Nada. (..) P. Foste casada? – R. Sim; fui esposa e mãe. P. E cumpriste zelosa os deveres decorrentes desse duplo encargo? – R. Não; meu marido entediava-me, bem como meus filhos.
3.P. E de que modo preencheste a existência? – R. Divertindo-me em solteira e enfadando-me como mulher. P. Quais eram as vossas ocupações? – R. Nenhuma. P. E quem cuidava da casa? – R. A criada. (...)
Instruções do guia do médium
Angéle era uma dessas criaturas sem iniciativa, cuja existência é tão inútil a si como ao próximo. Amando apenas ao prazer, incapaz de procurar no estudo, no cumprimento dos deveres domésticos e sociais as únicas satisfações do coração, que fazem o encanto da vida, porque são de toda época, ela não pôde empregar a juventude senão em distrações frívolas. (...)
A sua existência foi improfícua e, por isso mesmo, culposa, visto que o mal é oriundo da negligência do bem. (...) O homem foi criado para a atividade; a atividade do espírito é da sua própria essência; e a do corpo, uma necessidade.
Cumpri, portanto, as prescrições da existência, com o espírito voltado para a paz eterna. (...) e que essa paz que aspirais não vos será concedida, senão pelo trabalho. (...) Trabalhai, trabalhai incessantemente; cumpri todos os deveres sem exceção; com zelo, coragem e perseverança”.
Monod


João Luiz Romão - RIE