Bondade e Renúncia

A companheira do abnegado médico já havia combinado com o amigo Cordeiro para cobrar aos que pudessem pagar à razão de cinco mil réis por consulente. O dinheiro não passaria pelas mãos de Bezerra e deveria ser encaminhado a D. Cândida. Bezerra sabia disto e concordou desde que recebesse apenas dos que estivessem em condições de pagar...
Certa vez, penetra no seu consultório da Farmácia Cordeiro uma pobre mulher com uma criança ao colo. Sentou-se e apresentou-lhe o filhinho para exame.
O aspecto da pobre mulher como o da criança traduzia miséria e fome.
Bezerra atendeu à criança. Sentiu-lhe o físico em mísero estado. E receitou, aconselhando à mão sofredora:
- Minha filha, dê a seu filho estes remédios de hora em hora. São remédios homeopáticos e, se desejar, pode comprá-los aqui mesmo...
- Comprá-los, doutor, com quê, se não tenho comigo nenhum níquel! Se eu e meu filho estamos até agora em jejum...
O bondoso médico olhou para a mãe sofredora. Seus olhos mansos e verdes, refletindo compaixão, encheram-se de pranto.
Ambos choravam!
O ambiente deveria ser tocante e vestido de luz e amor!
Abraçando-a, disse-lhe Bezerra: Não se apoquente, minha filha, vou ajudá-la. Confiemos no amor da Virgem, que vela por todos nós.
Procurou nos bolsos das calças e do paletó algum dinheiro e nada encontrou.
Pôs-se a pensar, olhando para cima, como se fizesse uma Prece muda e sentida.
De repente, fazendo-a sentar-se, sai e procura seu amigo Cordeiro, também manso e bom.
- Cordeiro, prometi-lhe não mexer no dinheiro das consultas, a fim de que você o encaminhe diretamente à minha esposa. Mas o caso de hoje é doloroso... Já rendeu alguma coisa?
- Nada, porque os doentes, até agora, são pobres e como sua ordem é para receber apenas dos que podem pagar...
- E o resultado de ontem, já o entregou?
- Não, está ainda comigo.
- Dê-me, então, este dinheiro e esperemos na proteção da Virgem, que há de nos mandar algum, mais tarde.
Cordeiro lhe atendeu. Bezerra penetra o consultório.
E, dirigindo-se à infeliz irmã em provas:
- Tome, minha filha, este envelope. Com o dinheiro que está aí, compre remédios, também leite e alimentos para seu filho.
A pobre mãe, de olhos surpresos, lacrimosos, lábios trêmulos, tartamudeia e nada pode dizer para lhe agradecer. Chora...
E Bezerra, abraçando-a:
- Nada de lágrimas, vamos, vá na santa Paz de Deus e que a Virgem a proteja e o seu filhinho. Ele há de ficar bom...
Assim atendida, a sofredora mãe deixa o consultório.
E, quando volta, da porta, para agradecer, ouve apenas a voz mansa e boa de Bezerra:
- Entre aquele que estiver em primeiro lugar.


Ramiro Gama