Pai, Mãe e Filho
Em termos simbólicos e filosóficos, o dogma da Santíssima
Trindade representa a manifestação de uma relação profunda e indestrutível entre
paternidade-amor-filho.
Essa reflexão se fundamenta na observação de que a Santíssima Trindade revelada
pela Igreja Católica não apresenta a figura da mãe e sim, revela a crença na
unidade divina: o Deus único que encarnou, a paternidade manifesta-se no Filho,
através do Amor, simbolizado pelo Espírito Santo.
Enganamo-nos ao pensar que no ato humano da criação, em que pai-mãe se fundem
para receber um espírito e criar um novo ser, repete-se a manifestação dessa
unidade.
Na verdade, pai, mãe e espírito promovem uma fusão da qual é gerada um novo ser
– o filho – que irá encarnar uma nova personalidade. Portanto, há um quarto
elemento: a trindade traz a quaternidade.
Para Jung, a quaternidade é o símbolo da perfeição. Pai e Mãe, na Psicologia
Analítica, representam mais do que os pais biológicos: são figuras arquetípicas,
representam os guias, os orientadores espirituais.
Desses arquétipos temos a matriz que norteará as figuras pessoais com
características do masculino e do feminino: o pai e a mãe pessoal. Em linhas
breves e gerais, podemos dizer que ao Pai compete o papel de proteção,
organização, o provedor, aquele que discrimina e educa. À mãe, compete
basicamente a nutrição, acolhimento, afeto. Ao filho, podemos atribuir o papel
de aprendiz que um dia assumirá a função de pai ou de mãe, assim
sucessivamente...
Embora dito assim pareça tão simples, sabemos que não o é. Nessa vida de relação
complexa e povoada por tantas experiências ora positivas, ora negativas, temos
falhado no exercício desses papéis. Assim, tem sido comum assistirmos a
situações em que o pai faz o papel de mãe, a mãe exerce a função paterna e
filhos não são filhos, mas sim os próprios pais de seus pais. Fosse fácil, os
consultórios de psicologia, psico-pedagogia, pediatria e neurologia não teriam
tantos clientes.
Se pararmos para pensar nessa forte, intrínseca e primordial relação,
provavelmente encontraremos na base de nossos conflitos, dificuldades e doenças
referentes à relação paterna e materna. De onde se originaram nossas questões
fundamentais? Como? E por quê?
Olhemos para nossa dificuldade de amar, de deixar ser amado, de entrega, de
confiança, de segurança, de equilíbrio e perguntemos: Tivemos uma mãe amorosa em
nossa infância? Como foi essa relação na adolescência?
Olhemos para nossa dificuldade de saber qual é nossa vocação, de escolher os
amigos e os parceiros, de nos realizarmos profissionalmente, de lidar com
dinheiro e perguntemos: Tivemos um pai dedicado a nos ensinar tudo isso? Como
foi a disciplina em nossa infância e na adolescência?
Caso as respostas a essas perguntas sejam negativas, isto é, não tivemos uma mãe
amorosa nem um pai disciplinador, teremos de fato muita dificuldade para lidar
com as coisas simples da vida, como a de escolher um parceiro adequado,
manter-se num emprego, gastar e economizar.
Acreditamos que até aqui não haja nenhuma novidade para o nosso leitor. Então
perguntamos: Por que é tão difícil olhar para dentro de nós, enxergarmos essas
limitações e lidar com os nossos afetos, a nossa relação paterna, materna e
filial?
A inversão de papéis é muito comum nos dias atuais. Originalmente, o pai, que
provê o espermatozóide, é o provedor; a mãe, que acolhe no seu ventre a nova
vida, é a nutridora. Entretanto, como hoje se vê, muitas vezes a mãe sai do lar
para buscar o alimento e o pai fica em casa no papel de ventre: acolhe, recebe,
nutre.
Quais as conseqüências dessas mudanças? Serão elas conscientes e elaboradas?
Satisfazem o ego daqueles que passam pela experiência e dos filhos que vivem a
mudança? Não sabemos.
Sabemos que as respostas não são encontradas no momento em que surgem as
perguntas. A história da civilização demonstra que, somente algum tempo depois
de vividos os conflitos, conseguimos compreende-los e a eles responder. Mas,
isso não nos impede de refletir e perguntar: Será que estamos passando por uma
transição que nos levará à síntese das funções femininas e masculinas?
Considerando que o Espírito não tem sexo, pois a distinção do sexo existe apenas
na polarização homem e mulher, experimentados na encarnação, nossa essência
espiritual reúne ambas as energias: masculina e feminina.
As perguntas que deixamos para reflexão, portanto, seriam estas: A partir do
momento em que estamos conscientes dessas duas pulsações dentro de nós,
estaremos vivendo uma preparação para a unidade? Como atuar com elas, vibrando
dentro de nós, sem criar mais problemas e procurando tirar melhor proveito para
as relações humanas?
Voltando à questão da trindade. Será que a imagem Divina, enquanto criadora, é
mesmo menino e menina? Daí, poderíamos supor que a Santíssima Trindade seria uma
Santíssima Quaternidade? DEUS PAI, MÃE, FILHO E ESPÍRITO SANTO?
Assim, teríamos, o círculo perfeito, da unidade, transcendendo o triângulo
amoroso, conduzindo o homem/mulher a caminho da perfeição?
Cleide Martins - Revista Delfos