Caixinha de Surpresas
A mitologia, analisada hoje, dentre os seus interesses
históricos e religiosos, pretendeu explicar o inconsciente coletivo dos gregos e
romanos de sua época, o que equivale a humanidade como um todo.
Assim tantos seres extraordinários foram trazidos à tona; fadas, deuses,
monstros,alguns alados, outros com patas de cavalos,diáfanos uns e feitos de
pedras outros, numa polimorfia incrível, representativa de nosso psiquismo.
Todos eles se viram defrontados por desafios e quedas, vitórias e fracassos,
suplícios e prêmios eternos a nos lembrar a trajetória evolutiva dos homens,
inclusive podendo reconhecer certas explicações religiosas através deste viés...
Pandora, por exemplo, numa de suas versões era uma mulher que recebeu dos deuses
do Olimpo a incumbência de transportar uma caixa onde estavam aprisionadas as
viciações humanas. Tendo êxito, ela seria alçada à condição de semideusa. Mas a
desajeitada Pandora, tropeça e deixa a caixa vir ao solo e ao abrir-se todos os
males ficam à solta.
Daí que a Caixa de Pandora se tornou sinônimo de surpresa.
Se por um lado, ouvindo a história lastimamos a abertura da caixa, pois
reconhecemos tantos males presentes no mundo, por outro ponderamos se há como
evitá-los.Aproveitando a metáfora, digamos que há uma “caixa geral” pertencente
ao planeta. São aqueles desafios coletivos, programados pela necessidade do
conjunto de almas aqui encarnadas: as guerras, os fenômenos atmosféricos, os
cataclismos, as epidemias. Mas há também uma “caixinha” pessoal e intransferível
que devemos tomar aos nossos cuidados.
Incrível, mas esta é a verdadeira Caixinha de Surpresas!
Cada um de nós, em momentos variados da vida se vê surpreendido pelas próprias
reações emocionais. Nos preparamo-nos o tempo todo para uma certa atitude,
repreendemos nosso próximo quando ele discorda de nossos valores e... cá estamos
nós fazendo igual ou pior.Seremos incorrigíveis, maus, péssimos alunos? E lá
vamos nós descendo uma vez mais as escadarias da estima que nos levam aos porões
da culpa...
De fato, o desafio da evolução se repete a cada dia de nosso viver, por isso é
melhor vê-lo de frente, sem subterfúgios e sem se esquecer de que a própria
vida, em sua dinâmica constante, traz mudanças. Assim como ao fixarmos o olhar
nas nuvens do céu temos a impressão de que estão paradas e a um simples desviar
da visão, retomando o olhar, vemos um céu totalmente diferente, assim é a
dialética entre as mudanças do planeta, a nossa intimidade e a incessante
novidade da vida em si mesma.
Distinguir o que é pessoal do que é geral já é um grande ganho.
Como dizemos às nossas crianças quando transportam algo precioso, seguremos a
nossa caixa com as ‘duas mãos’, mas não nos desesperemos se ela cair. Contemos
com a nossa intenção de acerto e a Misericórdia Divina velando por nós.
Observemos sem medo o que saiu de dentro e selecionemos o que queremos
modificar. A própria vida, em sua sabedoria, encarrega-se muitas vezes de nos
fazer tropeçar para que aprendamos a nos levantar mais depressa.
Ah! Já ia me esquecendo! Na Caixa de Pandora moravam também as Virtudes.
Alcione Albuquerque - Delfos