O Poder Feminino é Uma Conquista Atual?
O mundo atual está passando por uma revolução em muitos
aspectos. Uma das mais comentadas é a ascensão das mulheres, tanto no mercado de
trabalho, como em todos os demais setores da vida. Já se fala no homem acuado ou
amedrontado por causa da força das mulheres modernas. Ouve-se falar também a
respeito da mulher conquistadora que não espera mais o homem vir convidá-la para
sair: elas propõe programas, aventuras, empreitadas, negócios e mesmo pede em
namoro ou casamento o homem desejado. Já há movimentos em defesa desse homem
encolhido diante da força atual das mulheres. Recentemente, notícias veiculadas
por todas as mídias davam conta de que há um movimento tentando resgatar as
escolas exclusivas para homens, isto é, escolas para meninos e escolas para
meninas, separadamente. Já se verifica que as mulheres hoje são as maiores
concorrentes dos homens nos vestibulares, muito mais do que simplesmente o
número de concorrentes por vagas, e assim por diante. Tudo isso em nome da
liberdade feminina que começou durante os anos 70 com o movimento feminista, a
pílula anticoncepcional, a queima de soutiens como bandeira da emancipação pelas
seguidoras de Betty Friedan, com o tabagismo tornando-se hábito feminino, entre
outras coisas. Para colocar eticeteras, muitos deles seriam necessários aqui.
Mas, de que poder atribuído às mulheres nós estamos falando?
Sem entrar no mérito da emancipação feminina, importa refletir sobre o poder da
mulher, que sempre esteve subliminar ou latente no universo masculino, como nós,
psicólogos, gostamos de falar. Podemos começar pela criação do mundo, segundo a
Bíblia, que fala de Deus sendo criador e ao mesmo tempo tendo um filho. Se Ele,
o Criador fez também o seu próprio filho, podemos deduzir que ele é uma síntese
de figura materna e paterna ao mesmo tempo. Apenas para usar alguns dos fatos
mais relevantes da narrativa bíblica, comecemos com Eva, que perverte Adão, isto
é, subverte a ordem Divina e oferece o fruto proibido para o seu homem. Se ela é
desobediente, é também livre para contrariar Deus com isso. Rebelde, e ao mesmo
tempo consciente do que podia fazer, da influencia Adão, que prefere permanecer
obediente, o que vale dizer, submisso. Um pouco mais adiante, ainda no livro de
Gênesis, vemos a rebeldia da mulher de Ló que, ao olhar para trás para ver
Sodoma e Gomorra serem incendiadas pelo castigo Divino, virou estátua de sal
como castigo prometido e cumprido por Deus. Lembrem-se de que Ló, no entanto,
permanece fiel e é salvo: ele não se vira para olhar. Vamos lembrar também a
história de Moisés , que corria o risco de vida por ser hebreu, nascido no
Egito. Deixado no Rio Nilo pela sua mãe, é encontrado pela princesa, filha do
Faraó. Esta escondendo a verdade, adota o menino, que depois iria libertar o
povo de Israel da escravidão. Na famosa história de Sansão e Dalila, esta
descobre o segredo da força dele, corta-lhe os cabelos e com isso também
confronta Deus. A Bíblia nos ensina que Sansão era homem temente ao Deus de
Israel. Também ilustrativa do poder feminino é a narrativa de Isabel e Zacarias
que eram velhos e Isabel era estéril. No entanto, o anjo lhes anuncia um filho
para provar que para Deus nada era impossível. Mas o anjo estabelece uma
condição. Zacarias ficaria mudo até o menino nascer e só então ele voltaria a
falar. Esse menino era João Batista. Depois que João cumpre a sua missão,
encontrando-se preso, a filha de Herodias, instigada pela mãe, pede ao rei
Herodes , como presente, já que ele lhe prometera o que quisesse, que ele lhe
traga numa bandeja, a cabeça de João Batista. O Rei, constrangido, porque tinha
medo de contrariar o povo que tinha em João um profeta, obriga-se, no entanto, a
atender o pedido da filha de Herodias. Outro exemplo marcante é a anunciação do
nascimento de Jesus. O anjo anunciou a boa nova a Maria , perguntou sobre como
ela engravidaria, se não tinha relações com José. Recebe dela a explicação de
que José iria compreender, pois aquela criança era obra de Deus. Por fim, nós
temos a discutível situação da figura de Maria, que é chamada de mãe do filho de
Deus, como um arranjo nessa questão de que um filho, tendo vindo ao mundo
através de uma figura feminina, não precisou de uma mãe que ficasse grávida de
um homem para dar à luz. Ao mesmo tempo, simbolicamente, reforça a figura
síntese do Criador em masculino e feminino para a nossa compreensão ainda
limitada, na condição de Espíritos em evolução que somos.
Aonde queremos chegar com esse raciocínio?
Podemos passar dias e dias conversando sobre as posições da mulher no século
XXI. Igualmente podemos cair no lugar comum de apontar o quanto o homem está
assumindo hoje tarefas antes exclusivamente femininas. Podemos conjecturar sobre
o papel do homem na separação dos casais quando da guarda dos filhos e sobre
tantos outros temas enfocando a mudança ou inversão de papéis. No entanto, a
hipótese que desejamos formular aqui é a de que o homem sempre esteve
subordinado ao poder dos sentimentos femininos. Não como uma simples e parcial
compreensão de que o homem é inferior, mas o que queremos destacar aqui é que o
homem, o gênero macho, está subordinado aos sentimentos, porque no seu processo
histórico ele acabou endurecendo e cristalizando a sua habilidade de derramar-se
em emoções. Há um perigo no entanto, é o de que a mulher com todo esse movimento
de ascensão ou de conquista de espaço, poderá também, num futuro próximo, vir a
endurecer-se. Na verdade homem e mulher, macho e fêmea, todos os seres humanos,
estão sob o poder dos sentimentos. Importa evoluir para sermos donos de tal
poder. Exercido sobre o homem pode torná-lo obediente, submisso, cúmplice e até
mesmo escravo. Paradoxalmente, esse mesmo poder sedutor é que faz com que a
força feminina seja vulnerável e facilmente influenciável. Recorrendo ao Livros
dos Espíritos, não serão necessárias maiores explicações para que a antiga
guerra dos sexos seja mais bem compreendida, uma vez que “os Espíritos
encarnam-se homens ou mulheres (...) (e) como devem progredir em tudo (...) (são
oferecidas) provas e deveres especiais e novas ocasiões de adquirir
experiências. ”
Que entendimentos podemos obter à luz da Doutrina Espírita?
Certamente podemos chegar a muitos aprendizados sobre esse poder dos
sentimentos. Alguns poucos nos bastam como bons resultados dessa reflexão.
Primeiramente, a de que os Espíritos, uma vez habitando o Plano Espiritual, já
sem a densidade da matéria, condição da nossa existência neste plano, retomam a
síntese das polaridades masculina e feminina, tornando-se Espíritos na condição
“não como nós entendemos o sexo, porque os sexos dependem da constituição
orgânica” como nos apresenta o Livro dos Espíritos. Em segundo lugar, que esse
poder atribuído agora e negado durante séculos à mulher, na realidade faz parte
da condição anímica no ser humano, resultando que as nossas percepções e
sensações sejam melhor compreendidas e apreendidas se as tornamos dissonantes em
forma de extremos, quando o nosso discernimento dá-se entre forte e fraco, claro
e escuro, inferior e superior. Trata-se de maneira polarizada, enviesando a
compreensão das infinitas possibilidades que se apresentam ao ser humano. E
finalmente, porque o caminho do meio, como nos ensina a sabedoria chinesa, o
plano da conciliação intelectual, moral e espiritual mostra-se ainda, em nossas
ações e atitudes, inalcançável. O equilíbrio dos dois pratos da balança com que
ponderamos as idéias e conhecimentos, ainda se faz por pesos comparativos e não
somatórios. A nossa inteligência parece raciocinar melhor quando estuda e
compreende de maneira fragmentária, a partir das partes para formar um todo
racionalmente construído. Escapa aos Espíritos encarnados, no atual estágio de
evolução, que a harmonia da existência, tanto terrena como espiritual, bem
poderia ser compreendida e contemplada na perfeição de poder ver no todo todas
as partes subjacentes.
Enéas Canhadas - Delfos