Lendo a Gênese
Entre nossos papéis de trabalho encontramos um com o
desdobramento abaixo:
1) A existência de Deus como a perfeição absoluta.
2) Crença do homem em Deus.
3) Mistérios que podem ou não ser revelados.
4) Consciência, pelo homem, de suas limitações.
5) Necessidade do trabalho como fonte de aperfeiçoamento e conformidade às leis
morais.
6) A ciência do homem e sua aplicação no relacionamento com o plano espiritual.
Somos assim, um tanto dispersivos, anotando em impulsos oriundos de intuições
mediúnicas assuntos a serem tratados posteriormente, após cuidadoso estudo.
Destarte, cremos que era sugestão de nossos Maiores que procurássemos fazer uma
análise da criação orgânica, da aparição do homem no universo, subordinando-a à
correlação com o princípio espiritual, frisando a partir daí as suas ligações
com as possibilidades e limitações de conhecimento decorrentes da evolução.
Tarefa essa que nos pareceu infinitamente superior às nossas forças, mas que
encaramos como preciosa oportunidade para desenvolver o raciocínio e efetuar
pesquisas, além de penetrar mais profundamente nas idéias e estudos de Kardec,
secundados pelas observações cuidadosas dos amigos espirituais, razão pela qual
rogamos ao Pai que nos permitisse traduzir com fidelidade e clareza o pensamento
desses Benfeitores.
Em “A Gênese” Kardec exprime com profundidade os fundamentos dos fenômenos que
mais intensamente têm contribuído para firmar no homem a convicção da existência
de Deus. Tanto é isso verdade que, sem a crença no Ser Absoluto, não há razão
para que o homem empregue seu tempo na leitura daquela obra tão significativa.
Essa crença, todavia, não se impõe por si mesma, ou seja, não é cega, mas deriva
de dois sentimentos: um, inato no homem, que é o da idéia da Divindade, presente
em todas as épocas do ser; outro, fruto da análise imparcial da própria vida,
com suas manifestações e efeitos inteligentes. Daí, o dizerem os Espíritos a
Kardec, em admirável síntese, que “Deus é a inteligência suprema, causa primária
de todas as coisas” 1 e mais, que se encontra a prova da existência de Deus no
axioma aplicado às ciências: não há efeito sem causa.2
Observando e analisando com imparcialidade a estrutura da fenomenologia da vida
em todas as suas expressões, embora ainda não venha a deter o conhecimento
preciso sobre ela, convence-se o homem de que somente Deus pode ser tido como a
perfeição absoluta, face às provas mais evidentes do equilíbrio que preside a
todos os movimentos da vida, como os conhecemos. A crença na existência de Deus
e no domínio da sua vontade sobre as coisas e os acontecimentos que dirigem o
destino da humanidade é, por conseqüência, de fundamental importância para o
entendimento das questões relacionadas à criação, particularmente a desse mesmo
ser humano.
Quando se procura conceituar o homem sob o ponto de vista de sua tangibilidade e
de suas características morfológicas, cuida-se primeiramente de examiná-lo sob o
aspecto físico. Neste ponto a ciência contemporânea tem feito progressos,
podemos dizer até espetaculares. São eles fruto do desenvolvimento acurado,
principalmente da medicina e das ciências biológicas, e demonstram à saciedade a
evolução impressionante do conhecimento humano. Desde a descoberta da circulação
sanguínea por Harvey (cerca de 1628), passando por Pasteur (1822/1895) e a
profilaxia da raiva, e chegando a Charcot (1825/1893) e seus experimentos
neurológicos sobre os centros cerebrais, estende-se um oceano de pesquisas e
conclusões (isto para nos cingirmos à apreciação do homem em si mesmo),
culminando com a descoberta do DNA, responsável pela transmissão das
características genéticas do ser. Esses fatos por si mesmos bastariam para
demonstrar a falência da teoria da geração espontânea, ou para confirmar a tese
de Darwin acerca da evolução das espécies. Não obstante, assinala Kardec que “o
princípio da geração espontânea evidentemente só se pode aplicar aos seres das
ordens mais ínfimas do reino vegetal e do reino animal” (musgos, liquens,
zoófitos, infusórios e vermes intestinais). Quanto aos seres de complexa
organização “param aqui as investigações, desaparece o fio condutor”.3 Por outro
lado, parece lógico a Kardec que “os animais de organização complexa não sejam
mais do que uma transformação, ou se quiserem, um desenvolvimento gradual, a
princípio insensível, da espécie imediatamente inferior e, assim sucessivamente,
até o primitivo ser elementar” 4. Temos, assim, a confirmação daquilo que os
nossos Instrutores designam por “consciência, pelo homem, de suas limitações”,
posto que estas lhe são impostas pelos estágios de desenvolvimento em que se
demora, conjugadas com o que igualmente denominam de mistérios que podem ou não
ser revelados”, como o próprio Kardec menciona ao tratar da formação primária
dos seres vivos 5.
O fato é que, obedecendo à linha de raciocínio de Kardec, temos que remontar ao
início da vida em suas manifestações mais incipientes, para podermos a partir
daí estender a sua apreciação em consonância com os padrões evolutivos
peculiares não só aos mundos físicos mas igualmente aos das espécies ou reinos
da natureza: mineral, vegetal e animal, que são atualmente os mais conhecidos.
Pois sendo Deus o Criador Único, não podemos fugir à lógica de que tudo o que
conhecemos Dele se originou e está atrelado à Lei Evolutiva. Esta lei apresenta
dois aspectos distintos, pelo menos perante os padrões contemporâneos de
aferição: a evolução física ou material e a evolução espiritual. Ambas se
desenvolvem em processos que conduzem a soluções finais: na primeira, poderá tal
solução se traduzir na fusão dos elementos participantes, e sua posterior
recombinação; na segunda, representar-se-á pelo alcance final do objetivo da
pureza do ser, incluído então na categoria dos Espíritos Puros. 6
Parece-nos perfeitamente aceitável a idéia de que a “matéria cósmica primitiva
continha os elementos materiais, fluídicos e vitais, de todos os universos que
estadeiam suas magnificências diante da eternidade” 7. “Nela reside o princípio
vital que dá origem à vida dos seres...”8. As leis que asseguram a estabilidade
dos mundos e esse mesmo universal princípio vital que forma gerações espontâneas
em cada mundo, igualmente se integram na matéria cósmica primitiva: apenas as
gerações espontâneas aqui se entendem como as que ocorrem quando para tanto se
apresentam as condições necessárias. Impõe-se uma distinção entre a criação
universal propriamente dita e a dos seres orgânicos: é que nestes se verifica a
atuação do princípio vital, cuja atividade é alimentada durante a vida pelo
funcionamento dos órgãos. Quanto ao homem, cabe mais assinalar que detém ele o
princípio inteligente, o qual, como afirmaram os Espíritos a Kardec, não é
atributo do princípio vital 9, porém peculiar a algumas classes de seres
orgânicos.
Por intermédio da inteligência, exercitada através de milênios, é que o homem
desenvolve as suas aptidões e vai descobrir, após um longuíssimo período de
experimentações e pesquisas, o seu real caminho evolutivo. Evidentemente, muito
diferente está ele hoje do que no início de sua marcha. Para tanto, concorreram
não apenas o seu desenvolvimento particular mas também o dos mundos em que tenha
agido, e mais, o do próprio princípio inteligente de que se acha dotado. Há uma
relação estreita entre o seu aperfeiçoamento e o dos mundos que habita
sucessivamente, além da progressiva aquisição de conhecimentos duradouros.
Quando falamos nestes é claro que não estamos nos referindo ao homem em si
mesmo, mas ao Espírito. Porque aqui já enveredamos por um novo campo de
observação, colocando o ser humano sob a égide da criação espiritual e todo um
cortejo de implicações que se sobrepõe aos rudimentos de sua atuação na matéria.
Assevera Kardec que “o Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe
dá, simultâneamente com o livre arbítrio e a consciência, a noção de seus altos
destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores,
entre os quais se elabora lentamente a obra de sua individualização”10.
Aliás, é este ponto o mais fascinante no estudo do homem, da razão de sua
criação e do destino que lhe está assegurado.
Se bem possuamos capacidade muito reduzida ainda de avaliar qual o motivo de
nossa criação, o entendimento das leis que nos dirigem, o alcance da finalidade
do Bem em si mesmo, a perfeição dos princípios morais a nós legados pelo Cristo
como o Arauto Divino, e a necessidade da vivência permanente do Amor em todos os
nossos atos, instantes e exemplos, nos dão a noção do modelo mais completo a ser
seguido, se realmente desejamos chegar à Terra da Promissão, que nada mais é do
que o Reino de Deus em cada um de nós.
Neste sentido figuram as advertências dos amigos espirituais quando se reportam
à necessidade do trabalho como fonte de aperfeiçoamento e de conformidade às
leis morais.
Realmente, é através do trabalho, como sinônimo de movimento, que o homem
elabora penosamente o seu arquivo de sentimentos e emoções, que seleciona entre
aqueles que se acham registrados em sua consciência, os que julga mais
apropriados à consecução de seus objetivos, os quais serão materializados, à
maneira moderna dos programas de computação, para executarem-se todos os passos
neles previstos. As rejeições são provenientes das falhas do ser; mas quando
obedecidas as leis morais ou ditames evangélicos, a resposta será sempre a
indicação do passo seguinte, até a obtenção do resultado final.
É ainda o mestre lionês que novamente nos chama a atenção para o fato de que a
evolução do ser, que dissemos anteriormente oferecer dois aspectos: o físico ou
material e o espiritual, enquanto encarada sob o primeiro leva o homem a não ver
no seu corpo material mais do que o último anel da animalidade na Terra 11. A
diminuição do valor do corpo acarreta inversamente a crescente importância do
princípio espiritual. Por conseqüência, “vemos o limite extremo do animal; não
vemos o limite a que chegará o espírito do homem” 12.
Tudo conduz, pois, ao aperfeiçoamento constante do homem, desde o mais baixo
grau da escalada até as alturas que não nos são dadas imaginar. Refazendo
parcialmente esse caminho e adaptando-o ou pavimentado-o com as descobertas e
aquisições da ciência, encaminha-se o ser humano cada vez mais no rumo da
aceitação do Plano Espiritual. Neste, designação genérica e mais fácil de
entender, incluem-se não só os espíritos desencarnados mas todos os fenômenos
provindos da natureza espiritual, ou seja, os da criação e da movimentação dos
mundos e seres que constituem o Universo Divino. Logo, tudo aquilo que os homens
adquirem na Terra por intermédio de suas experimentações, constituindo o cerne
das ciências, ainda que não seja possível conferir a estas o sinete da
infalibilidade, deve ser colocado a serviço do relacionamento com o Plano
Espiritual, conforme lembram os nossos Instrutores na última das observações
expostas na nota 6 que antecede o presente trabalho. Guardados os necessários
cuidados, sem açodamentos injustificáveis nem, por outro lado, descaso ou
indiferença, valhamo-nos dos recursos científicos no intercâmbio com aqueles que
nos comunicam de momento a momento a Grande Certeza: a vida é eterna, a vida
fulge em todas as etapas do Espírito: Deus existe!
José Campos Jr. - RIE