A Rainha dos Anjos
A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela
alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade
e de esperança. Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria,
com as boas-vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades
angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.
Experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a
Galiléia com os seus sítios preteridos. Bastou a manifestação de sua vontade
para que a conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza.
Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando do
alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava
a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então, de que naquele
instrumento da Natureza Jesus cantara o mais belo poema de vida e amor, em
homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão
marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântico evangélico.
Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se
dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela
crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à
espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse pensamento,
imprimiu novo impulso ás multidões espirituais que a seguiam de perto. Em poucos
instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravilhosa, espalhada sobre
colinas enfeitadas de carros e monumentos que lhe provocavam assombro. Os
mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras
patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por
misérrimos escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão
guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do
Esquilino, onde centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes.
Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido.
Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas
preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembléia de
torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a caridade misericordiosa de seu
espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam
no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado conforto do lar, jovens que
depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o
coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos
abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a
Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus ensinara que com ele todo jugo é suave e
todo tardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa
liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração
como um poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que
lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da
alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto
descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:
— “Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!... Convertamos as nossas dores da
Terra em alegrias para o Céu!..”
A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que lhe
fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamento
luminoso, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou
um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que traduzia a sua gratidão
pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em
consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso
era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando
o glorioso testemunho.
Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as
mulheres e, desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm
cantado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando a suave
herança de nossa Mãe Santíssima.
Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas
famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um
brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume!
Humberto de Campos