Não Ditos e Não Feitos
Estudiosos afeiçoados aos "ditos do Senhor" mergulharam, em
todos os tempos, o pensamento nas fontes evangélicas, em busca do consolo e
diretrizes, encontrando na clara mensagem da Boa Nova o clima de paz e amor
necessários a uma vida feliz.
Narrativas comoventes relatam os encontros do rabi. Amoroso com os corações
constrangidos pela dor e com os espíritos atribulados a todos ensejando, pelo
verbo luminosos e sublime, os roteiros libertadores.
Páginas de beleza inefável têm sido elaboradas sobre os efeitos e as palavras do
enviado de Deus, favorecendo o pensamento humano com antevisões do porvir e
sugerindo retrospectos das inolvidáveis emoções que viveram os que participaram
das jornadas d'Ele...
Infelizes e enfermos de variada classificação, obsidiados e dementes de muitas
alienações foram reconduzidos à serenidade e à paz através da mensagem de
esperança de Ele nos dá, desde então, como pábulo que nos mantém alimentados,
conduzindo-nos para a frente e o amanhã.
Muito mais poderia ter dito e feito o senhor.
Não o disse, porém, nem o fez.
E o que não disse, o que não fez, são tão grandiosos que atestam a excelente
procedência d'Ele.
Recusado por uma aldeia do interior de ser ali agasalhado, nada disse, e instado
pelos discípulos para que ateasse o fogo do céu sobre o lugarejo ímpio, não o
fez. Retirou-se em silêncio, plácido e triste, seguindo adiante...
Impossibilitado de falar ao povo de Gadara, após a recuperação psíquica do
gadareno, não disse uma sentença condenatória, não teve um gesto de revolta.
Imperturbável, retornou ao mar e à Galiléia.
Acusado por comensais dos interesses imediatos, de açular as massas infelizes
que O seguiam esperançadas, não disse um revide, não expôs uma defesa, não
reagiu com irritação, não fez uso dos seus poderes...
Conclamado por aqueles que O desejavam triunfador na Terra não apresentou
explicações, não debateu o assunto, retirou-se a sós...
Diante de Pilatos quase nada disse, nada fazendo e, no entanto, poderia tudo
dizer e tudo fazer.
Na cruz, resignou-se a não dizer senão o indispensável para o tributo de amor,
submetendo-se, incomparável, à Vontade do Pai.
E mesmo depois de ressurgido não disse nem fez o que muitos esperavam.
Afirmou a imortalidade atestando-a, realentou os companheiros com o seu amor de
compreensão e, ao ascender aos Cimos, despachou-os para as tarefas do "dizer" e
do "fazer" como Ele mesmo disse e fez.
Medita sobre os não-ditos e não-feitos do Senhor.
Se a dificuldade e a incompreensão de quem amas, quando a serviço d'Ele, te
amesquinham, não te amofines.
Se a luta recrudesce e o combate acirra, não desespere.
Se a enfermidade avança e te vence, não desanimes.
Se todos os males de fora e de dentro de ti mesmo ameaçam conduzir-te à
desencarnação, não recalcitres.
Não te defendas, se injuriado.
Não te justifiques, se perseguido.
Não te exponhas, se angustiado.
Não digas, nada faças, mesmo que tenhas o que dizer e disponhas de recursos para
fazer.
Teus ditos e teus feitos já falaram por ti. Se não se fizeram ouvir, porfia
confiante, de fé robusta.
Mas vale ser vítima da impiedade quando se está com a consciência tranqüila, do
que perseguidor entre ovações, carregando uma consciência em brasa.
E se a vida solicitar ao teu espírito o pesado tributo da tua doação total pela
causa de amor que abraças, na Seara de Luz do Evangelho e do Espiritismo, não te
negues, não recuses, nada digas, nada faças, entregando a vida e aspiração às
mãos d'Ele, pois que mesmo morrendo na liça incompreendido e ralado, ascenderás
tranqüilo aos páramos do amor para voltares a fim de ajudar, mais tarde, os que
te perseguiram e injuriaram vitoriosamente, ficando, porém, nas linhas sombrias
e tristes da retaguarda, esperando pelo teu socorro.
Joanna de Ângelis