Multidão de Sofrimentos

Sempre estava Jesus cercado pela multidão. Entardecia...
A multidão representava as enfermidades e mazelas que Lhe era conduzidas pelos magotes humanos, assinalados pela dor.
Em todos os tempos, o sofrimento é a cobrança do pretérito culposo dos atormentados em lapidação benéfica para a própria redenção, em clima de urgência.
A lepra, ingrata e hedionda, procede do Espírito que exterioriza a degenerescência dos tecidos sutis, exsudando as misérias íntimas na faina incessante da purificação. Assim a cegueira e a surdez, a paralisia e a mudez, o câncer e tantos suplícios expressam o limite imposto ao devedor na faculdade cujo uso foi mal aplicado, fazendo o ser calceta em si mesmo, carente de imediata reparação.
A falta do órgão ou membro, a desarmonia da faculdade ou função que representam sempre a cobrança que chega em forma de controle e educação, predispondo o ser para a liberdade.
E como a dor tem sido a característica da vida humana, Jesus estava sempre cercado pela multidão.
Eram os atormentados de ontem, ora envergando as marcas e manchas do passado, na condição de atormentados atuais, buscando, sequiosos, a água lustral do Evangelho do Reino, para lavarem as imundícies da imperfeição.
Cercado pela multidão, Ele abria os braços e descerrava os lábios, socorrendo e falando ...
A voz modulada em musicalidade divina derramava lições de vida em urgente profilaxia, de modo a que todo aquele que pudesse recuperar-se não tornasse aos erros transatos, a fim de não se acumpliciar com o crime, do que decorrem sempre mais graves e danosos compromissos. E as mãos misericordiosas libertavam das amarras limitadas do padecimento, facultando agilidade e os meios de crescimento superior aos beneficiados.
A multidão buscava-O sempre ansiosa...
Dos Seus lábios recolhia pérolas em luz, gemas em claridade incomparável para iluminar a senda de percalços e pedrouços. E das Suas mãos recebia o vigor em dádivas de saúde, que renovavam as peças gastas e os implementos orgânicos em desconcerto, produzindo o refazimento e a paz.
Amava-O a multidão; ao menos necessitava d’Ele avidamente e O seguia.
Começava o ministério entre expectativas e ansiedades.
Quantas vezes Israel tivera outros profetas.
Procediam de todos os rincões e se caracterizavam, não raro, pela severidade e aspereza dos conceitos que, semelhante a látego em brasa punitiva, azorragavam com doestos e ameaçavam com longas e penosas correções.
Há pouco escutara-se a Voz do Batista e a sua figura austera derramava o verbo abrasador, conclamando ao arrependimento e ao aproveitamento da hora, antes que se fizesse tarde.
Ele, porém, Aquele suave Rabi, era a mansuetude e a abnegação. Quando o semblante se Lhe fazia grave, a meiguice e a dor exteriorizavam todo o Seu amor e ao mesmo tempo refletiam as Suas esperanças, penetrando no porvir, em cujo curso incessante dos tempos o homem encontraria a paz ...
Era o mês de Nisan. A tarde caía suave e calma.
A notícia da cura da sogra de Simão, cuja febre repreendida pelos Seus lábios se evadira, atraía a multidão dos necessitados.
Carreados por ventos brandos, aromas sutis balsamizavam a tarde em festa de luz.
A praia amiga, referta de esperanças, suspirando nos corações ansiosos dos homens, ali representava todos os tempos; o ontem e o amanhã da dor perseguindo a paz ...
Ele aproximou-se e começou a curar.
Luz Divina em sombra densa, Sua aura reativava as forças fracas, recompondo os desgastes e desalinhos dos infelizes.
O espetáculo da alegria espontânea explodindo, comovia, e a reconstrução da saúde ante o olhar esgazeado de surpresa dos comensais do sofrimento, a rearticulação das faculdades psíquicas dos antes atormentados, os Espíritos imundos expulsos pelo Seu magnetismo fascinavam e, num crescendo, avolumavam-se as emoções à Sua volta...*
As vozes estremunhadas dos obsessores desligados das vítimas, gritavam:
- Tu és o filho de Deus.
Ele, porém, sereno e pulcro, respondia:
- Eu vos proíbo de falar. Afastai-vos daqui ...
- No desabrochar natural das alegrias, uma pausa fez-se espontânea durante o sublime repasto da esperança. Ele, então, falou com eloqüência e magnitude:
- Todos os males promanam do Espírito. Tende tento!
“O Espírito é a fonte gentil e abundante onde nascem a enfermidade e a saúde, o destino e o porvir de cada ser, conforme se acumulam nas nascentes os atos que padronizam as futuras necessidades. Enquanto o homem não mergulhar na intimidade dos seus problemas para solucioná-los à luz da razão e do amor, não conseguirá o lenitivo da harmonia.
“Sois ‘o sal da Terra’. O valor dele é mantido enquanto conserva o sabor.
“Sois a luz” da oportunidade, enquanto marchardes espargindo bênçãos e distribuindo esperanças.
“Deus, Nosso Pai, é o Criador, mas o homem, ascendendo, é o autor da sua dita ou desgraça.
“Inutilmente buscareis fora a saúde se não a mantiverdes retida no âmago do Espírito, cuja perda se transforma em incessante aflição e maior tormento.
“A saúde, a seu turno, é oportunidade de evolução e de responsabilidade para com a vida.
“Buscai antes o amor e fazei todo o bem possível, para vos conservardes em paz. O amor é a candeia acesa e o bem é o combustível que a mantém.
“Pacificai-vos para que vos conduzais em espírito de sabedoria, fazendo longos e proveitosos os vossos dias de júbilo na Terra e felizes, mais tarde, nos Céus.”
Clara manhã. Sua presença apagava a noite, sugando-a com beijos de luminosidade libertadora. E por onde andava, lá estava a multidão aflita e Ele prosseguia, disseminando a saúde, por ser um excelente mensageiro da Vida.
Ao longe o sol declinava, caindo além dos montes, adornando a paisagem de ouro fulgurante no ar, e todos, tocados pela Sua misericórdia, os antes aflitos, debandaram na direção do lar, deixando a meditar, em profundo recolhimento, sob o fulgor das primeiras estrelas, o Filho do Altíssimo...

(*) Lucas 5:40-41 – Nota da Autora Espiritual.


Amélia Rodrigues