Meu Reino Não é Deste Mundo
– Em que sentido se devem entender as palavras do Cristo “Meu
Reino não é desse mundo?
- O Cristo respondeu em sentido figurado. Queria dizer que não reina senão sobre
os corações puros e desinteressados. Ele está em todos os lugares em que domine
o amor do bem, mas os homens ávidos das coisas deste mundo e ligados aos bens da
Terra, não estão com ele. O Livro dos Espíritos - Questão 1018
A realidade espiritual é muito clara, mas para nós, os eternos insatisfeitos,
sempre que esse assunto vem à tona surge a pergunta fatídica: afinal, o que é o
Reino de Deus?
Na cultura judaica , no seu idioma e nos seus dialetos o “reino” está
relacionado à palavra “Malkuth”, que significa literalmente “estado de coisas”.
Mesmo assim, logo se vê que a expressão é dúbia e a sua conceituação ou
definição é filosófica e vai depender sempre do ponto de vista de quem a coloca
em condição reflexiva. Curioso é que esses pontos de vista, embora infinitamente
diversificados pela ótica humana se dividem em duas posições de observação das
coisas: a visão interior e introspectiva, portanto espiritualista; e a visão
exterior, retrospectiva, portanto materialista. Essa dicotomia só existe porque
ainda não conseguimos chegar a um ponto de equilíbrio entre aquilo que é
interior ou exterior, espiritual ou material, em nossa experiência existencial.
Ainda confundimos a Vida (que é única e eterna) com a existência (que são
múltiplas e efêmeras), não entendemos plenamente o que seja a relatividade do
tempo e tantas outras coisas que só aprendemos a teorizar, mas que ainda não faz
parte da nossa experiência. Sabemos que esses obstáculos de compreensão são
impostos pelas limitações dos nossos sentidos e da nossa atual inteligência,
ainda muito precária e restrita ao plano intelectual. Sabemos também que esses
bloqueios serão gradualmente removidos com o despertar da mediunidade, que nada
mais é do uma tecnologia, uma extensão ou exteriorização da mente através do
cérebro físico. Essa tecnologia, talvez a mais antiga descoberta humana, vem se
aperfeiçoando no desenrolar das nossas existências e, assim como a mecânica e a
eletrônica, vem adquirindo configurações de acordo com o uso, a capacidade e a
necessidade do seu portador. Diríamos que a mediunidade é o equipamento da
descoberta do Reino de Deus - a Natureza em si e a nossa relação com ela, o
nosso grau de consciência - que veio sendo sofisticado desde as mais rústicas
aplicações da magia primitiva até a mais sutis atividades do ambiente
cibernético. Mas tal descoberta continua dividida entre a percepção exterior e
interior. Para uns, ela é o fenômeno físico, palpável, lógico, objetivo; para
outros, ela é metafísica, imponderável, psicológica e subjetiva.
O papel das doutrinas espiritualistas nessa questão seria influir positivamente
no amadurecimento do ser humano. A idéia da imortalidade como um fato científico
já foi colocado de forma brilhante, solucionada do ponto de vista lógico, mas no
aspecto interior e psicológico continua sendo um enigma, um segredo que só vai
ser equacionado quando “acordarmos” do sonho existencial para a Vida real. Não
basta vermos e tocarmos Espíritos materializados se não tivermos a sensibilidade
da leitura espiritual do fenômeno. Nesse aspecto os novos cientistas psíquicos
foram o triunfo de Tomé: substitui-se a curiosidade pela a dúvida e esta foi
sendo superada pela fé tranqüila, harmônica, equilibrada.
É preciso saber diferenciar a realeza comum e transitória da realeza espiritual.
Na primeira encontramos o universo político de César, o domínio da matéria sobre
o Espírito, cujos interesses materiais estão em primeiro lugar e tudo se volta
para a solução de problemas dessa modalidade. Na segunda ela é apenas uma
simbologia do poder do Espírito sobre a matéria. O extremo dessa consciência é a
conversa de Jesus com Pilatos, no qual se mostra perfeitamente convicto do que
está fazendo e ciente do que está acontecendo ao seu redor. Essa consciência
atinge o ápice quando Jesus prefere a humilhação completa, inclusive da sua
dignidade física, para exaltar o seu poder espiritual, isto é, mandar nos
corações humanos; a coroa de espinhos, a tortura física e a pena de morte são
detalhes que não o incomodam, senão fisicamente, pois são distorções da
realidade espiritual, reflexos do poder político efêmero, que certamente serão
corrigidos pelas leis da reencarnação e de causa e efeito. Para nós essa é uma
experiência ainda absurda, cujo sofrimento físico do Mestre ofusca o sofrimento
moral e nos dá uma falsa idéia de masoquismo, ascetismo e anulação. Não
entendemos que a salvação caminha por uma outra vertente. Tanto é deformada essa
visão que sentimos uma atração sádica pelas cenas da crucificação e chegamos a
ponto de querermos reencenar repetitivamente essa tragédia, para atuarmos
viciosamente como falsos personagens. Isso é a perversão da religiosidade pelos
sentidos físicos, o fundo do poço da religião. Daí surgiram os dogmas, que são
os narcóticos do Espírito, talvez o ‘ópio das massas” a que se referiu Karl
Marx.
É preciso também comparar a perspectiva materialista e a espiritualista. O
Espiritualismo moderno rompe o absolutismo temporal da existência biológica e
expõe a relatividade do tempo da vida espiritual.
Essa dicotomia “mundo interior” e “mundo exterior”, na mente humana, depende da
nossa reestruturação mental e comportamental. O que vale é o conceito socrático
do conhece-te a ti mesmo, mas não no sentido de discurso intelectual, da
sabedoria vazia dos sofistas. Trata-se de uma auto-percepção trabalhosa,
metódica, complexa quando racionalizada, porém simples quando aplicada na
prática cotidiana. Como não temos a capacidade de nos percebermos senão por
imagens falsas de nós mesmos (narcísicas), Jesus resolveu facilitar esse
processo invocando a lei de sociedade e afinidade entre o seres. A percepção de
si mesmo sempre começa pela percepção do outro. O Reino está em nós, mas só o
enxergamos refletido no semelhante; só ele, como um espelho, tem a chave e esta
só abre a fechadura que está no outro, e assim sucessivamente. É por isso que o
outro conhece bem melhor do que nós os nossos defeitos e as nossas virtudes. É
também por isso que o próximo, quase sempre, está bem distante, mesmo estando
tão perto. Então, amar o próximo é mais conveniente do que se imagina... Quando
tivermos a capacidade de amar de verdade, a obrigação e a conveniência serão
transformadas no indescritível prazer da caridade.
Para concluir esse estudo, lembramos que, historicamente, constata-se que a
descoberta de si mesmo ou da consciência, como na existência humana, partiu do
ponto de vista objetivo e exterior - da descoberta do próprio corpo (infância) -
passou da mesma forma para os fenômenos da Natureza (adolescência) e vem
voltando gradualmente para o universo subjetivo e interior (maturidade). Se
fôssemos mensurar matematicamente essa trajetória poderíamos dizer que cada
etapa da transformação pode ser comparada a um processo de verticalização da
consciência, que supomos ser no Reino Hominal realizado em três etapas: do
Primeiro ao Sexto Ser, de zero a noventa e de noventa graus; e de noventa a
cento e oitenta graus, até atingirmos, no Sétimo Ser, a plenitude de trezentos e
sessenta graus, que é a Consciência Universal.
Dalmo Duque dos Santos